sábado, 23 de julho de 2016

A História Da Riqueza Do Homem – Leo Huberman


Como aponta o autor logo no prefácio de sua obra, seu objetivo ao redigi-la é duplo: explicar a História através do estudo da Economia e, concomitantemente, explanar sobre a Economia por meio de uma análise da História. Percebe-se, portanto, que Huberman se serve de uma perspectiva bastante usada por vários autores de orientação marxista, à qual ele também seguia. Embora haja o risco de, com sua proposta de estudo do fato histórico sob o lume do fato econômico, cairmos em um reducionismo, é notável a intenção de apreciar criticamente todo o período compreendido entre o início do medievo e as primeiras décadas do século XX, o que é feito de maneira bastante didática e ilustrada por vários exemplos, retomando uma série de acontecimentos fundamentais para a compreensão da política em sua historicidade, bem como seus liames com o modo de produção material de uma dada sociedade.
Parte I: Do Feudalismo ao Capitalismo
Capítulo I: Sacerdotes, guerreiros e trabalhadores
Ao iniciar sua obra, Huberman se propõe a estudar a história econômica e a história mais geral da sociedade pré-capitalista ou feudal. Segundo o autor, o Medievo, período engendrado após o esfacelamento do Império Romano, possuía um sistema de sociedade extremamente estratificado, consistindo em três classes: a dos que rezavam (sacerdotal), a dos que guerreavam (nobre) e a dos que efetivamente trabalhavam (camponesa). Dentro de uma economia essencialmente agrária, após o resfriamento do comércio e a descentralização política, o servo ou camponês colocava-se como sustentáculo da produção material que abastecia também a duas classes privilegiadas (Nobreza e Clero). A riqueza do homem, nestes tempos, resumia-se a um único fator: a terra. Do servo, pelo uso deste fator de produção, eram cobradas taxas abusivas, como a talha e a corveia, além do dízimo requerido pelos clérigos. Não obstante, Huberman chega a aproximar a situação do servo e a do escravo, já que ambos eram explorados economicamente, servindo como pilar para o conforto de uma minoria abastada. Contudo, é resguardada certa distância entre eles, porque, ao contrário do escravo, o servo estaria fixo à terra, dela não podendo ser desmembrado. Destaca-se também, dentro desta primeira explanação sobre o contexto feudal, o poder e a importância da Santa Madre, a Igreja Católica, responsável pela unidade cultural da Europa ocidental sob o signo da religiosidade cristã. Controlando o discurso sobre um mundo para além deste, o celeste, a Igreja adquiriu enorme influência sobre as questões deste mundo, tornando-se a instituição mais rica e poderosa do período.
Capítulo II: Entra em cena o comerciante
Neste capítulo, Huberman disserta sobre o renascimento comercial ao fim da Idade Média, após as cruzadas. Comparando o período anterior ao reaquecimento do comércio àquele posterior a tal reaquecimento (após o século XI ou XII), o autor nos explica a história da produção econômica em cada um destes períodos. Em um primeiro momento, na chamada Alta Idade Média, o capital acumulado pela minoria privilegiada – isto é, pelos padres e guerreiros, era estático, imóvel ou improdutivo, pois era apenas acumulado, não servindo para financiar investimentos ou gerar mais capital. Até porque não havia interesse em investir em excedentes produtivos, visto que o comércio estava enfraquecido. O Estado feudal era completo em si, fabricando o que necessitava e consumindo tudo ou quase tudo que produzia. As condições em geral não favoreciam a atividade comercial: as estradas eram ruins e permeadas de ladrões e saqueadores; havia uma variedade imensa de moedas, que tornava trabalhoso o esparso e fraco comércio existente. Este cenário mudará bastante a partir do século XI, com as Cruzadas, que foram excursões organizadas pela Igreja para “reconquistar as terras sagradas dos infiéis islâmicos”. Huberman sustenta um escopo econômico elipsado por esta finalidade “espiritual”, ou seja: a real motivação para este evento seria, em verdade, conquistar mais terras, riquezas e retomar o controle de importantes rotas comerciais, como as do Mediterrâneo. Com a reabertura de tais rotas, a importância do dinheiro enquanto instrumento de troca é reacendida. Antes deste período, as trocas baseavam-se essencialmente do escambo dos próprios produtos, uns pelos outros. Percebe-se então um renascimento do comércio não só na costa do Mediterrâneo, mas também dentro do continente europeu (com suas grandes feiras periódicas). Com uma economia mais complexa e com trocas comerciais mais numerosas e rápidas, o feudo autossuficiente aos poucos se converte em economia de mercado.
Capítulo III: Rumo à Cidade
Retomando o assunto do capítulo anterior, a ideia de Huberman nesta parte é demonstrar como o crescimento em tamanho e complexidade do comércio engendrará o crescimento das cidades, olvidadas pela sociedade feudal, que era essencialmente ruralista. As feiras aumentam, ano após ano, de tamanho, trazendo produtos cada vez mais variados nas mãos de gente de todos os cantos. Tornam-se, vez após vez, mais demoradas, indicando uma expansão comercial que viria a engolir a velha ordem socioeconômica medieval. O autor traz a noção de um “Burgo Extramural”, para explicar como as pequenas feiras, organizadas pelos mercadores (burgueses) aos poucos expandem-se, atropelando os muros dos feudos em que eram realizadas. Os muros do Burgo representavam os muros invisíveis impostos pelo sistema produtivo da sociedade feudal, estático, que deve ser substituído pela dinâmica do mercado. Toda esta expansão ocorre em virtude do fortalecimento dos comerciantes, que se organizam em corporações e ligas, como a Hanseática. Estas ligas possuíam regras rígidas, monopolizando as atividades comerciais em determinada localidade e afastando os não-membros. Na busca por liberdade para desempenhar suas atividades econômicas, as ligas exerceram importante papel, pressionando a elite medieval a reduzir (ou isentá-los de) impostos e a conceder proteção e incentivos ao comércio. Percebemos que, em contraposição ao panorama descrito no capítulo I, a riqueza das terras é substituída pela hegemonia do capital.
Capítulo IV: Surgem novas ideias
Huberman reserva esta parte do livro para expor as modificações na moralidade econômica (e talvez social) advindas das mudanças no sistema produtivo vigente. É preciso, novamente, contrapor dois sistemas: o medieval e o pré-capitalista. No medieval, a moralidade aplicada às relações econômicas era a mesma aplicada em todas as outras relações humanas pela teologia cristã. Dizia a Igreja que atividades como emprestar a juros ou cobrar um preço acima do “justo” (que é apenas o necessário para suprir os custos de produção, não obtendo lucro) eram pecaminosas, sendo classificadas como usura. Segundo Huberman, emprestar a juros durante o medievo era considerado pecado porque naqueles tempos, com a debilidade do comércio, só se emprestava em situações de desgraça, para ajudar na sobrevivência alheia, de sorte que seria extremamente imoral lucrar em cima disto. O lucro promoveria um mal-estar espiritual, pois para sua fartura, a carência de alguém foi necessária. Todavia, com o reaquecimento comercial e a necessidade de investir e movimentar o capital financeiro e produtivo, os empréstimos se fizeram necessários em situações menos calamitosas, sendo admitido como justo (dentro da moralidade pré-capitalista e capitalista) o juro resultante destas atividades. Estas diferenciações indicam uma cisão da qual se terá consciência mais tarde, que é a que ocorre entre a moral econômica e a moral usada nas demais relações sociais, resumida no chavão “Amigos, amigos, negócios à parte”. A doutrina antiga cede espaço à lógica das práticas comerciais diárias. Outro ponto destacado pelo autor são as contradições existentes entre o discurso elaborado pela Igreja e sua práxis. A Santa Madre agia como a maior das usurárias, vendendo indulgências e extorquindo através de dízimos abusivos.
Capítulo V: O camponês rompe amarras
Aqui, Huberman explica como o papel do camponês muda bastante com a transferência gradual do eixo da produção material da agropecuária para o comércio e a indústria. A estamentalidade típica da sociedade feudal, apresentada no capítulo 1, composta por uma hierarquia entre Senhores, Clérigos e Servos, é enfraquecida pela atenuação da antiga ordem produtiva, pautada na terra, em razão da ascensão de uma classe intermediária (a burguesia) e de um novo modo de gerar riqueza através da compra e venda de mercadorias. O servo, atado pela tradição à terra, sem dela poder desvencilhar-se, oprimido por impostos e taxas pesadas colocadas pela nobreza feudal e pela Igreja, começa a ganhar alguma autonomia, pois passa a ser-lhe facultado arrendar a terra, isto é, pagar uma única taxa pela sua utilização, abandonando as obrigações senhoris abusivas, que envolviam inclusive trabalho direto nas terras senhoriais. Esta mudança “contratual” entre servo e senhor, na qual o serviço direito e o excedente produtivo in natura é substituído pela moeda, faz parte de uma seara maior, de familiarização com o dinheiro. Nas terras da Igreja, tais mudanças foram mais demoradas e custosas, pois esta instituição se opôs duramente à libertação (parcial) camponesa, sendo mais rigorosa que os senhores seculares em geral. Contudo, com a peste negra e a morte de uma parcela considerável da população europeia, a oferta de trabalho é reduzida, aumentando assim o seu valor. Isto é, com menos gente para trabalhar, os que sobraram obtiveram privilégios mais facilmente, o que é explicado pelas relações econômicas entre oferta e demanda. Além disso, a força camponesa organizou-se e uniu-se para melhor assegurar as concessões conquistadas. A velha organização feudal, aos poucos, enfraquece-se, sob a pressão de forças econômicas que não puderam ser controladas. Surgiu, como visto, até mesmo uma nova concepção de propriedade fundiária, destronando a antiga, pilar central da economia medieval.
Capítulo VI: E nenhum estrangeiro trabalhará
Neste trecho, o autor destaca o surgimento das corporações de ofício e seus impactos para a economia e a história da época. É dito que, no feudalismo, não havia especialização industrial, toda produção manufatureira era caseira, doméstica ou artesanal, voltada para o abastecimento das necessidades do lar ou de um pequeno contingente. Uma posterior mudança neste sistema produtivo, para Huberman, indicará uma transformação em sua finalidade ou no público a que se atende, o que será demonstrado ao longo do capítulo. Criam-se as corporações de ofício, as quais eram responsáveis por regulamentar e organizar a produção de um determinado bem ou conjunto de bens, possuindo um monopólio sobre tal produção, no intuito de prestar um serviço. O justo preço, discutido no capítulo quatro, será substituído pelo preço de mercado com o desenvolvimento do comércio, pois a concepção de usura já não é compatível com a dinâmica das novas relações econômicas. As corporações de ofício também eram responsáveis por treinar jovens e convertê-los em profissionais: sapateiros, padeiros, ferreiros, etc. Havia dentro delas uma hierarquia entre o jornaleiros, aprendizes e mestres, que se tornará cada vez mais delineada e rígida com o maior crescimento comercial. Será cada vez mais complicado ascender à posição de Mestre – passar de empregado a patrão era cada vez mais difícil. Os jornaleiros, que se sentiram oprimidos pelas novas relações dentro das corporações, de diferenciação e hierarquia intransponível, que substituíram a fraternidade e a cooperação anterior, fundaram os predecessores dos sindicatos modernos, que foram suprimidos pela nova nobreza do dinheiro. Esta supressão tornou-se possível por conta da crescente influência das corporações no jogo político, sinalizando que, se no campo continuava mandando a aristocracia de sangue, nas cidades, já reinava a aristocracia do capital. Troca-se, portanto, gradualmente, o status do senhor feudal para o burguês.
Capítulo VII: Aí vem o rei
Huberman coloca aqui a necessidade de compreender o processo de centralização política e de consequente formação dos estados nacionais modernos dentro do contexto econômico da época. Para ele, se naqueles tempos já existia uma unidade religiosa (católica) e linguística (latim), sentia-se falta de uma unidade política, que governasse soberanamente dentro de um território. A centralização político-administrativa europeia terá início a partir do séc. XV, tendo como causa a ascensão de uma classe média burguesa que pedia ordem e segurança para garantir a execução de suas atividades econômicas e a proteção de sua propriedade. Era, portanto, preciso colocar em ordem o caos feudal, que contava com vários senhores e oferecia risco às atividades comerciais pela sua inerente falta de estabilidade e centralização. O Rei, financiado pela classe média, marcha a passos lentos, monopolizando o poder de mando em si e governando de modo a auxiliar aqueles que financiaram seus exércitos e suas campanhas. É nítido pela leitura do livro que não houve apenas uma centralização, mas várias, em vários campos. Deste modo, cunhou-se uma moeda única dentro de cada país, substituindo a confusão monetária que tanto atrapalhava o comércio; criou-se o monopólio da cobrança de impostos, pertencente ao rei (vale lembrar que os impostos serviam para nutrir o poder real em seu processo de consolidação e manutenção); cria-se também o monopólio de dizer o direito, isto é, o monismo jurídico, no qual o Estado evoca a si como única fonte legítima do direito, substituindo a pluralidade de critérios e normas empregados pelo direito consuetudinário dos Senhores feudais. Neste processo de centralizações, a autoridade real será impelida contra a clerical, da Igreja Católica, a qual, desacreditada por muitos por sua hipocrisia, perderá bastante influência após as reformas protestantes. Por fim, o autor destaca que, dentro do novo sistema político-administrativo, a burguesia ocupará cargos burocráticos. Embora não se tenha quebrado a hegemonia do sangue real, perceberemos gradual enfraquecimento da nobreza, com consequente elevação do poderio burguês.
Capítulo VIII: “Homem rico...”
Neste capítulo, Huberman coloca a discussão sobre as políticas mercantilistas (a priori, neste momento, essencialmente monetárias) no início da história política dos estados nacionais como primeira etapa do capitalismo, ou ao menos como preâmbulo deste sistema, analisando também suas consequências para a economia e a sociedade. Na tentativa de reter outro e prata nos cofres públicos para melhor estruturar o comércio, o Rei diminui a quantidade destes metais em cada moeda, ocasionando assim sua desvalorização. Com isso, os preços sobem, gerando lucros temporários para o soberano, ao mesmo tempo em que prejudicam o padrão de consumo já debilitado dos pobres. As moedas, nesta época, possuíam, via de regra, valor monetário flutuante ou variável. Também como maneira de angariar mais ouro e prata, homens se lançaram ao mar, buscando alcançar uma rota alternativa para chegar às Índias, pois a rota usual, pelo mediterrâneo, era monopólio das cidades italianas, as quais cobravam altas tarifas para conceder o privilégio de ali comercializar, atividade que gerava lucros enormes. Nesta empreitada para encontrar uma nova rota comercial, os europeus se depararam com as américas, conquistando novas minas de metais preciosos, extraindo produtos para o comércio e obtendo lucros inimagináveis, que mais tarde alimentarão a revolução industrial. Foi neste período, entre os séculos XVI e XVII, em que surgiram famílias de banqueiros ou comerciantes bastante ricas, a exemplo dos Fugger, que engendraram enormes centros comerciais, como o existente na Antuérpia, nos quais vigoravam a liberdade comercial e onde foram disseminadas várias relações aplicadas até hoje, como as letras de câmbio.
Capítulo IX: “...homem pobre, mendigo, ladrão.”
Em contraste com o cenário descrito anteriormente, de riqueza e fartura, Huberman mostrará aqui o outro lado: a miséria generalizada que atingia as massas nestes tempos. Como causas de tal miséria, serão colocados fatores como as guerras que assolavam todo o continente e o aumento da inflação. Esta inflação é fruto da emissão de maiores quantidades de moeda, cunhadas com o ouro e a prata que vinham das Américas. A questão é que o processo inflacionário favorece os comerciantes e prejudica os pobres, em virtude do aumento geral de preços em produtos básicos que não é acompanhado por um crescimento proporcional nos salários. Poucos enxergaram as causas (emissão de moeda em demasia) e as consequências deste problema, a exemplo de Bodin. Outros movimentos que contribuíram substancialmente para a miséria das massas na época foram os cercamentos e arrendamentos. Os primeiros consistiam em cercar uma parte das terras do feudo para dedicá-la à criação de ovelhas, sendo bastante comum na Grã-Bretanha. Sua consequência foi forçar o êxodo rural, levando camponeses desempregados à cidade (pois a criação de ovelhas demanda menos mão de obra que a lavoura tradicional), que posteriormente alimentarão as fábricas. Os segundos se caracterizavam por subverter o costume jurídico dominante no medievo, relativo à inseparabilidade entre o servo e a terra e às taxas fixas e proporcionais, resguardando direitos e estabilidade para o camponês. Haverá agora a possibilidade de alugar a terra para quem pudesse pagar mais, o que acaba por expulsar o servo das terras senhoriais, por não poder arcar com os custos impostos pelo locador. Destarte, percebe-se que, ao campesinato, restará apenas sua força de trabalho como fator produtivo, já que seus laços com a terra foram enfraquecidos. Tal força de trabalho é o elemento a ser explorado pelos patrões quando irrompe a revolução industrial.
Capítulo X: “Precisa-se de trabalhadores – crianças de dez anos podem candidatar-se.”
Este capítulo é reservado para explicar algumas mudanças no comércio e sistema produtivo da época. Huberman nos diz que, substituindo o esquema de produção artesanal, voltado apenas para o abastecimento local, será criado um esquema doméstico, marcado pela divisão e especialização do trabalho. O mestre, que outrora era responsável sobretudo pelas etapas de feitura e comercialização do manufaturado, não mais será encarregado de comercializá-lo, pois surge a figura do intermediário, que distribui a produção globalmente, além de levar matérias primas para abastecer outras linhas de fabricação. Note-se que esta nova figura se choca com o antigo monopólio das corporações para a venda dos objetos laborais, indicando uma lenta transição da configuração monopolista da economia para a lógica da livre-concorrência (em busca de maior eficiência), transição verificada também dentro das próprias corporações, com o gradual desaparecimento da igualdade entre os mestres. Além disso, verifica-se que a mudança para o esquema doméstico representa apenas uma alteração no modo de comercializar, mantendo, todavia, a manufatura como técnica produtiva.
Neste período pré-industrial, são lançadas as bases da revolução fabril. Intensifica-se a exploração de carvão, usando a força de trabalho dos camponeses que, expulsos do campo, migraram para as cidades. Neste ponto do livro, Huberman nos traz um esquema simplificado das alterações no sistema de produção ao longo dos séculos: a primeira etapa seria o sistema familiar (voltado para as necessidades da casa, com pouco ou nenhum excedente); em seguida, surge o sistema de corporações, que já abastece mercados pequenos; após este, há o sistema doméstico, trabalhado neste capítulo, no qual o mestre se torna dependente da matéria prima trazida pelo intermediário, detendo somente as ferramentas para a produção e tornando-se um assalariado. Por fim, será desenvolvido o sistema fabril, no qual se produz fora de casa, com materiais e ferramentas alheias, sob supervisão, com perda total da autonomia anterior. É nesta última configuração em que “crianças de dez anos trabalharão”, diante das necessidades impostas pela miséria generalizada. O autor nos alerta que, embora parcialmente válido, é preciso ter cuidado com este esquema, pois ele pode ser reducionista.
Capítulo XI: “Ouro, grandeza e glória.”
Este capítulo é reservado à reflexão sobre as políticas mercantilistas e seus impactos sociopolíticos e econômicos. A priori, é preciso compreender que o escopo de tais políticas era tornar o país rico. Gravitando ao redor deste escopo, formulou-se uma série de preceitos, como o que prega que nação rica é nação com grandes reservas de moeda (metalismo). Deste modo, a criação de um superávit ou de uma balança comercial favorável (na qual o valor do que é importado está sempre abaixo do lucro obtido com o que se exporta) torna-se a preocupação central dos planejadores. Dentro da relação com seus domínios coloniais, as metrópoles europeias mantiveram o chamado “pacto colonial”, que forçava as colônias a comprarem manufaturas metropolitanas e a vender suas matérias primas exclusivamente as suas metrópoles, de maneira a gerar um acúmulo de riquezas (pois o valor agregado à manufatura é bastante superior àquele encontrado no produto in natura). Neste sentido, foi também incentivado o crescimento industrial, que permitia agregar maior valor aos produtos, que seriam exportados, gerando lucro para a nação. A indústria passa a gerar empregos, demandando mentes capacitadas e protegendo a produção intelectual que a servisse (através de um sistema semelhante ao de patentes). O protecionismo econômico estava em voga, permitindo que o Estado tributasse pesadamente os produtos de importação, na tentativa de manter o saldo comercial positivo. Toda esta necessidade de obter uma balança comercial favorável advinha da crença de que o lucro de um era o prejuízo do outro, pois nestes tempos não era compreendida a visão tão comum na atualidade de que o mercado pode ser bom para todos. Em virtude do movimentado comércio marítimo, foi preciso que o Estado mantivesse uma marinha mercante, para proteger seus navios e até para saquear os navios alheios. É neste contexto que ocorre ascensão da Holanda como potência náutica, que será posteriormente mitigada pelo protecionismo ferrenho da Inglaterra. Estas disputas pela hegemonia comercial deram ensejo a um sem número de guerras neste período.
Capítulo XII: “Deixem-nos em paz”
Percebeu-se, através do exposto no capítulo anterior, que o Estado participava ativamente da vida econômica, intervindo e regulamentando quase tudo. Neste capítulo, Huberman nos mostra como tal postura estatal será contestada a partir do desejo de liberdade dos comerciantes. O discurso mercantilista de “busca da riqueza da nação” será posto em cheque, pois o que se verificava era a riqueza de uma minoria, basicamente composta pela nobreza. A Riqueza das Nações, de Smith, desmascarará a política mercantilista e a defesa do monopólio mercantil, dando maior credibilidade ao livre-comércio, na chamada escola do liberalismo econômico. Hume desconstrói o argumento metalista, provando que o preço das mercadorias é sempre proporcional à abundância de dinheiro. Os fisiocratas, fundadores da primeira escola econômica, encabeçados por Quesnay, na França (onde houve maior regulamentação estatal), defenderão também o livre comércio, imortalizado no grito do laissez-faire, traduzido como deixai-fazer ou, para Huberman, “deixem-nos em paz”. Embora os fisiocratas sejam bastante criticados por sua teoria de que só a agricultura aumenta a riqueza, eles possuem alguma parcela de mérito, por demonstrar que a riqueza do país não é algo estático, mas antes um fluxo, desmentindo a visão econômica dos teóricos mercantilistas. A defesa da propriedade privada se torna o estandarte da época, demandando como condição de existência a liberdade para dispor de seus bens, o que inclui comercializá-los. Smith, principal teórico da escola clássica da economia, focou seus estudos nas relações entre divisão do trabalho, produtividade, liberdade econômica e riqueza, chegando à teoria de que o comércio livre é mais produtivo, pois aloca de maneira eficiente os bens através da ação da mão-invisível do mercado, que pode ter sua produtividade aumentada através de uma maior divisão e especialização do trabalho. Verifica-se, em suma, neste período, como as transformações socioeconômicas e o fortalecimento da classe burguesa engendraram uma nova concepção de economia, substituindo as amarras mercantilistas pela liberdade de mercado.
Capítulo XIII: “A velha ordem mudou.”
Neste capítulo, o objetivo de Huberman é debruçar-se sobre a França do século XVIII, a fim de compreender suas particularidades políticas e econômicas que deram ensejo à revolução de 1789, que alterará profundamente as estruturas da cultura e da sociedade europeia, inaugurando uma nova ordem. Em França, ainda no século XVIII, persistia uma estratificação rígida da sociedade, dividida em primeiro e segundo estados (nobreza e clero), que gozavam de privilégios, além do terceiro estado, composto pela absurda maioria da população, que sofria com uma pesada carga tributária imposta pela minoria dominante. A gastança pública do mal administrado Estado francês, que determinava a receita com base na despesa, quando deveria ocorrer o contrário, promovia o aumento dos impostos, que recaíam sobre os ombros do terceiro estado. Mesmo havendo poucos “servos”, no sentido medieval do termo, algumas taxas feudais ainda persistiam. Sobre isto, citando Tocqueville, Huberman diz que “a destruição de parte das instituições da idade média tornou cem vez mais odiosa a parte que ainda sobrevivia”. Dentro deste sistema de opressão e abuso, os camponeses do terceiro estamento, com seu descontentamento alimentado pela miséria e pela fome, buscam liderança na classe média ascendente – a burguesia, também oprimida pelos privilégios estamentais, para promover a revolução.
Neste sentido, a ideia de que a velha ordem merece ser substituída é endossada por pensadores de renome como Smith, Voltaire, fisiocratas e enciclopedistas. Soma-se a isto a vontade burguesa de obter no campo político o prestígio de que já gozava no campo econômico. O terceiro estado, que é o sustentáculo da sociedade e, quantitativamente, a França quase toda, quer ser algo também na esfera política, daí ser necessário fazer a revolução. Fazendo um balanço após o processo revolucionário, Huberman nos diz que quem mais lucrou foi a Burguesia, que alcançou o controle da máquina estatal com Napoleão, que institucionaliza a proteção da propriedade privada, dentre outras medidas que favorecem o mercado. Em síntese, passando rapidamente em revista o descrito nestes treze capítulos da primeira parte, o autor coloca que o sistema feudal foi derrubado gradualmente pela revolta protestante e pelas revoluções gloriosa e francesa, inaugurando um novo sistema socioeconômico voltado para o lucro, chamado capitalismo.
Parte II: Do capitalismo ao...?
Capítulo XIV: De onde vem o dinheiro?
Huberman inicia esta parte distinguindo o dinheiro que é capital daquele que não é. Capital, em sua acepção, é tudo aquilo que é gasto ou investido resguardando a esperança de obter lucro, isto é, algo que é comprado para ser revendido (quiçá transformado antes), a fim de lucrar. Com este lucro, os capitalistas compram o fator produtivo do qual eles não dispõem, que é a força de trabalho do assalariado (o dinheiro não seria, pois, a única modalidade de capital), a qual, juntamente aos meios de produção, fornecem as condições necessárias para a produção de mais lucro. Questiona-se então como teria surgido o capital inicial para dar início às indústrias modernas, o que é prontamente respondido pelo livro: através da atividade comercial. E em atividade comercial, compreenda-se não somente as relações comuns de compra e venda de mercadorias comuns, mas sobretudo os saques, a pirataria, o comércio de pessoas (negros africanos, em essência) e principalmente a exploração econômica de variadas maneiras de toda a “periferia” do mundo, das índias ocidentais às orientais, passando pela África. Contudo, é preciso mais que capital financeiro para engendrar o sistema de produção capitalista. É preciso capital humano, isto é, força de trabalho. Para Huberman, a oferta de força de trabalho só surge pela necessidade. Possuindo terra e ferramentas próprias, nenhum homem se submeteria ao domínio de outro, portanto, a história da venda da força de trabalho é a história de como o homem comum foi privado dos seus meios de produção. Analisando o caso Inglês, modelo de todos os outros, Huberman afirma que foi o fechamento (ou cercamento) do campo o maior responsável pela formação da massa que alimentará a indústria com seu trabalho. Buscando maximizar os lucros por arrendamento ou pastoreio, os latifundiários, com o apoio do ordenamento jurídico vigente, expulsaram os camponeses de suas pequenas propriedades, deixando-os com a mesma necessidade de ganhar o pão, mas sem outra maneira de fazê-lo senão trabalhando como assalariados nas fábricas. A própria substituição do modelo de produção doméstico para o fabril já possui o potencial de converter o mestre em jornaleiro assalariado. Aqui, o autor insere a interpretação típica do marxismo de que a revolução nos meios de produção do feudalismo para o capitalismo provocaram mudanças substanciais em toda a superestrutura – jurídica, estatal e mesmo religiosa. Nesta última, é destacada a nova visão sobre o lucro, destoante daquela pertencente à velha ordem. Esta nova moralidade cristã sobre o lucro é difundida sobretudo pelos protestantes (em especial os calvinistas), por sua maior capacidade de “mudar dogmas”, flexibilizando-se às circunstâncias e fundando a chamada Ética protestante (estudada por Weber). Deste modo, naturalizou-se o desejo de lucro, implantando-o na consciência moral humana. A convergência de todos os aspectos aqui tratados – a acumulação de capital, o surgimento da força proletária a ser comprada e a nova moralidade do lucro, ocasionará a chamada “Revolução Industrial”.
Capítulo XV: Revolução – Na Indústria, Agricultura, Transporte
Este é um período de revoluções e de expansão exponencial do sistema produtivo, da tecnologia e das populações humanas. A máquina a vapor de Watt inaugura uma nova era, substituindo uma infinidade de braços pela força do vapor e aumentando a produtividade. No campo, a introdução de novas técnicas que permitiam aproveitar as terras ociosas (de descanso), levaram a um desenvolvimento extensivo e intensivo da agropecuária, que passará a abastecer mais gente. O crescimento populacional, pelas melhorias médico-sanitárias, que aumentaram a expectativa de vida, foi igualmente notável, gerando uma maior demanda por gêneros agrícolas e tornando o manejo da terra uma atividade altamente rentável. Pouco se percebe que, a lado da tão esmiuçada revolução industrial, houve também a revolução agrícola. Por fim, o aumento da produção deveria ser complementado por uma maior rapidez na capacidade de transportá-la, que foi promovida através dos novos meios de transporte movidos pela tecnologia do vapor: as ferrovias e os navios cargueiros. Alteraram-se cursos de água e abriram-se estradas de ferro, indicando o surgimento de um mundo novo, mais veloz e mais complexo.
Capítulo XVI: “A semente que semeais, outro colhe.”
Neste capítulo, Huberman descreverá a situação dos proletários em anos de revolução industrial, sobretudo na primeira metade do século XIX. Com o advento dos sistema de produção fabril, a rotina das cidades e dos que nela vivem muda bastante. Como já exposto, após os cercamentos e fechamentos de terras, o camponês migra para os centros urbanos, em busca de labor. Desprovidos dos meios de produção, precisam vender sua força de trabalho a baixíssimos preços para os capitalistas que gerenciam as fábricas. Neste novo ambiente de trabalho uma nova disciplina é imposta aos trabalhadores pelo ritmo da máquina: rotinas de doze a dezesseis horas de tarefas insalubres. Igualmente insonsas são as condições de saneamento básico e moradia. Doenças como cólera e tifo são tão comuns quanto crianças pequenas trabalhando mais da metade do dia. Todo este contexto de miséria e calamidade ainda era justificado por algumas mentes da classe dominante, que engendravam discursos no intuito de escamotear o caos em que a maior parte da população vivia, alegando, por exemplo, que as duras horas de labor acre eram necessárias à formação do caráter moral das crianças, ou, nos discursos clericais, alegava-se que resistir ao sofrimento das condições sociais com alegria era necessário para alcançar o reino dos céus.
Entretanto, estes engodos não atingiam a todos, de forma que os trabalhadores passaram a se unir e a reivindicar melhorias, como uma menor carga horária de trabalho diário, à qual os industriais se opuseram, argumentando que isto seria restringir a liberdade de cada homem de usar suas capacidades como bem entender sem prejudicar ao outro. Na tentativa de terem suas reivindicações atendidas, muitos trabalhadores endossaram um movimento que buscava atacar aquilo que eles consideraram a raiz dos problemas: as máquinas. Estes foram os chamados ludistas, os quais, por conta do “vandalismo” generalizado e dos danos ao patrimônio dos patrões, foram duramente reprimidos pela força da lei, que atendia aos interesses da parte “prejudicada”. Logo perceberam os ludistas que quebrar as máquinas pouco resolveria. Surgiu então uma nova forma de perquirir melhorias, o movimento cartista, enviando petições ao parlamento britânico, requerendo condições de trabalho mais dignas. Contudo, por mais que alguns avanços legais ocorressem, de nada adiantariam se o parlamento fosse burguês e suas leis aplicadas por magistrados que possuíam visão de mundo semelhante à dos patrões, assim, os cartistas passaram também a pleitear maior participação e igualdade política, através do sufrágio. Após mais frustrações – pois o cartismo não alcançou os resultados esperados, surge uma terceira modalidade de luta coletiva: os sindicatos. Nascidos no seio das grandes cidades industriais, eles representam a evolução das antigas associações de jornaleiros, unindo os trabalhadores por um sentimento comum de opressão, para melhor lutar pelos interesses da classe. Obviamente, tais associações foram e são perseguidas desde suas raízes pelo judiciário. Quando a reunião dos proletários não era impedida, era a ação destes sindicatos que era barrada. Apesar de todos os esforços legais ou ilegais para impedir a ação sindical, ela resistiu, provando ser meio eficaz para a conquista de direitos trabalhistas e classistas.
Capítulo XVII: “Leis Naturais” de quem?
O escopo desta parte é criticar a produção de verdades “naturalizadas” ou de leis incontestáveis na economia clássica. Partindo novamente de uma perspectiva marxista, Huberman analisa os discursos de saber nas ciências econômicas como fundados não em um conhecimento puro, mas em interesses das classes dominantes em cada época. Sua crítica volta-se sobretudo para a Economia Clássica, de Smith, que, ao afirmar que a liberdade individual e a busca atomizada do próprio bem levariam ao bem-comum na sociedade, oferecia conforto aos industriais opressores e justificava a não-regulamentação do trabalho (que continuava insonso). Malthus, outro economista da escola clássica, também forneceu leis que justificavam a pobreza, afirmando, por exemplo, que não seria possível fazer algo contra a miséria, pois ela existiria em virtude de uma lei natural, a que diz que a população cresce muito mais rapidamente que a produção de alimentos. Mas além de naturalizar a miséria, Malthus ainda culpabilizou os pobres por sua própria condição, pois se reproduzem demais, propondo como solução um controle moral da natalidade. Em seguida, rapidamente, Huberman expõe algumas ideias de Ricardo, como a “lei férrea dos salários”, segundo a qual o valor do salário é proporcional ao dos alimentos, isto é, o trabalhador ganharia somente o suficiente para subsistir. Dialogando com Malthus, Ricardo afirma que, sob risco de permitir a reprodução exponencial dos pobres, o salário pago deve ser sempre o mais próximo possível do “valor natural”, suficiente apenas para existir. Outros economistas como Senior (que se opôs à imposição de um limite para a carga horária de trabalho – a teoria da última hora) e John Stuart Mill (com a lei do fundo de salários – que dirimia a importância da luta sindical) também são citados por Huberman como exemplo de teorias que naturalizavam a exploração e serviam aos interesses patronais. A lei do fundo de salários de Mill foi desmistificada por Walker, que afirmou ser não o capital de fundo a medida do salário, mas sim a produção. Através da breve exposição de algumas teorias da Economia Clássica, Huberman procurou demonstrar, neste capítulo, que a produção de um saber dogmático nas ciências econômicas, ao menos em sua gênese, possui um norte bem definido, que é justificar ou naturalizar o status quo, defendendo a desigualdade e a opressão do proletariado e mantendo a posição privilegiada do empregador burguês.
Capítulo XVIII: “Trabalhadores de todos os países, uni-vos!”
Huberman propõe estudar, nesta parte, o socialismo científico, formulado por Marx. Para tanto, ele começa dissertando sobre os que o precederam, os Utópicos, que, em seus sonhos de superar os males dos sistema capitalista, voltaram-se em demasia para o futuro, esquecendo-se de analisar o passado e o presente para indicar qual seria o caminho para alcançar o sonho. Desta falha não puderam acusar Karl Marx. O pensador alemão realizou profundo estudo sobre as condições históricas nas quais se desenvolveu o capitalismo, na tentativa de compreender sua dinâmica e mecanismo e de que maneira seria possível superar este sistema através de uma ação prática – da revolução proletária, formando assim uma Economia bastante diferente da clássica, atendendo aos interesses da massa trabalhadora. A intenção do alemão foi demonstrar que o capitalismo se baseava na exploração do trabalho, fator existente também em outros sistemas de produção, como o feudal, mas nunca tão bem velada quanto agora. Marx procura, então, retirar o véu que esconde a exploração no capitalismo, o que é feito por meio da teoria da mais-valia. O autor do Manifesto retoma a teoria do trabalho de Ricardo, propondo que o valor das mercadorias estaria diretamente ligado ao elemento que havia em comum entre elas: a quantidade de trabalho empenhado para fabricá-las. Retoma-se então a ideia colocada no capítulo XIV – de que o trabalhador fora destituído de seus meios de produção e de sua autonomia produtiva, restando-lhe apenas uma única mercadoria a vender: sua força de trabalho.
Nesta seara, portanto, a liberdade capitalista consistiria em liberdade para vender-se, empregar seus esforços em uma produção alienada de si. Para Marx, o valor deste trabalho estaria diretamente ligada à necessidade de fazer o trabalhador e sua família subsistirem, a fim de dar continuidade à troca labor-salário, pois o trabalho é indispensável à produção. Contudo, segundo Marx, haveria uma distorção entre o valor pago pelo trabalho e o valor empenhado na mercadoria produzida, ou seja: o salário recebido está abaixo do que o trabalho correspondente foi capaz de produzir, existindo então um excedente de trabalho, que ficaria retido nas mãos do dono dos meios de produção – o patrão. A mais-valia, destarte, seria a medida da exploração no sistema capitalista. Após desmascarar a escravidão do capital, Marx e Engels buscaram uma saída para a situação, ridicularizando os socialistas utópicos, como Fourier e Saint-Simon, os quais apelavam para a bondade e sentimento coletivo da classe dominante como modo de alcançar a superação do capitalismo. Para os marxistas, tal sonho é demasiado ingênuo. A verdadeira escapatória consistiria na revolução – movida pelos próprios trabalhadores unidos. Esta solução foi encontrada partindo-se de uma análise marxista da história, que tinha como motor as relações de produção ou forças econômicas. Deste modo, este materialismo histórico coloca a economia como infraestrutura ou fator chave sobre o qual se erguem os edifícios do direito, do estado, da educação, etc. A existência social (material) determinaria as formas de consciência (imaterial) humanas. Portanto, qualquer revolução que se proponha efetiva deve poder alterar as condições materiais de produção, para daí modificar o imaginário social. Com a dinâmica das forças produtivas, o sistema de pensamento feudal foi substituído por outro compatível com as novas formas de produção – o capitalismo, com suas ideias de laissez-faire e propriedade privada. No mesmo caminho, através da mudança no jogo produtivo, Marx estuda a possibilidade de transição do capitalismo para o comunismo. Esta transição estaria prevista já nas próprias contradições do capitalismo, que possuía como tendência concentrar cada vez mais renda, isto é, reter o fruto do trabalho de uma massa nas mãos de poucos, ao mesmo tempo em que possibilitava a socialização do trabalho e a união dos trabalhadores – a luta sindical.
Destarte, algum dia, as incongruências seriam tão fortes que ensejariam a revolução, a ser chefiada pelo proletariado, principal interessado na passagem para o comunismo. Nesta passagem, seria essencial, como aponta Marx, a coletivização dos meios de produção, o que significaria o fim da propriedade privada (cuja posse é quase inteiramente da burguesia). A abolição da propriedade privada, vista como pedra angular da opressão capitalista, só seria possível dentro de um processo revolucionário, e não no seio da estrutura do capital, pois nela tudo atua no sentido de dar continuidade à exploração e manter o privilégio da minoria (incluem-se aqui edifícios importantes, como o do Estado e o do Direito). Huberman traz à luz toda a controvérsia existente neste ponto – sobre a qual discutem ainda hoje os teóricos marxistas, a saber, se seria mesmo necessária uma revolução violenta ou se seria possível alcançar o comunismo por vias democráticas. Ao fim, destaca a importância de Marx ao alertar para a necessidade de o proletariado organizar-se com uma consciência de classe, estando preparado para as crises capitalistas e para superar suas contradições.
Capítulo XIX: “Eu anexaria os planetas, se pudesse...”
O objetivo de Huberman neste capítulo é debruçar-se sobre a escola econômica surgida como reação à teoria do valor-trabalho marxista, chamada escola neoclássica, que visa explicar o valor da mercadoria a partir da ideia de utilidade. A ideia de utilidade foi desenvolvida concomitante e independentemente nas obras de Jevons, Menger e Walras e possui como núcleo a noção de que o preço de uma mercadoria depende da serventia que ela terá ou satisfação que proporcionará para seu comprador, ou seja, existe uma carga subjetiva na avaliação objetiva do valor econômico do produto. Em virtude da pluralidade de julgamentos de utilidade, que serão sempre subjetivos, deve-se determinar o preço da mercadoria em função de uma utilidade marginal, que significa um preço médio que incluirá alguns e excluirá outros consumidores do mercado. Outro conceito importante surgido nesta escola e em decorrência de sua teoria da utilidade foi o de que o controle da oferta permitiria regular o preço da mercadoria. Deste modo, buscando o controle da oferta e dos preços, dentro da lógica do próprio capitalismo, que em suas raízes possui o dogma do livre-mercado como necessário, surgiram – nas nações de maior desenvolvimento industrial, trustes, cartéis e monopólios, o que representa uma contradição ou uma contraposição à política concorrencial de livre-mercado. Indústrias gigantescas foram formadas a partir da concentração e fusão com outras menores, criando empresas com enormes reservas de capital e capazes de retirar do mercado, ainda dentro das guerras concorrenciais, opositoras menores, captando a parcela destas nos negócios e tornando-se cada vez maiores, como ocorreu com a Standart Oil Company no início do século XX.
A questão é que, se nos mercados concorrenciais as empresas são tomadoras de preço, acatando o que determinam as leis de oferta e demanda, no mercado monopolista, a empresa hegemônica é capaz de regular a oferta de modo a aumentar seus lucros, ainda que a custo de uma menor eficiência produtiva e de prejuízos para os demandantes. Huberman destaca, nesta seara, o principal monopólio – o bancário, o qual, através do controle da oferta de crédito, manipulava quase todo o setor industrial, interferindo também na vida dos sindicatos e até mesmo dos governos. Neste sistema de monopólios, a produção industrial continuava aumentando, o que tornou-se um problema, porque os mercados internos já estavam saturados e as principais nações industrializadas, como a Alemanha e os Estados Unidos, tornaram-se protecionistas, justamente para melhor desenvolver suas produções internas. A seguinte pergunta é levantada: o que fazer com o excedente produtivo? A saída encontrada foi enviá-lo aos mercados coloniais, dando origem à partilha do “terceiro mundo” entre os países do primeiro. E esta política neocolonialista logo se apresentou como duplamente vantajosa, pois, além de servir para escoar a produção excedente, serviria também para obter o controle das fontes de matérias-primas e produtos primários a baixo custo.
Além disso, uma terceira razão para o imperialismo, apontará Huberman, foi o excesso de capital acumulado pelas grandes empresas na era dos monopólios, que precisava ser investido em locais rentáveis, onde a terra e o trabalho fosse barato – como no caso das colônias. Estes três motivos casaram perfeitamente entre si, porque os investimentos de capital excedente para promover o “progresso” nos países atrasados trazia também a necessidade destes países comprarem as ferramentas e as mercadorias essenciais para a evolução nos mercados de seus investidores “benevolentes”. A aliança entre finanças e indústria, marca do capitalismo financeiro, engendrou, destarte, a política imperialista. A dominação das colônias, das africanas sobretudo, nem sempre ocorreu de forma pacífica. Para além dos contratos de cessão já desleais, foi preciso também derramar bastante sangue. As tropas da civilização marcharam sobre a África, e então os nativos perceberam que o progresso era vermelho. Nos casos em que não houve dominação pela força direta, ocorria pressão indireta e velada. Estas nações encontravam-se dentro das esferas de influência das potências econômicas – foi o que ocorreu na China e na América do Sul. A era dos monopólios, com ajuda direta dos governos das potências mundiais, tornou-se mais intensa. Poucas centenas de empresas controlavam quase toda a produção de mercadorias essenciais em todo o globo, do aço ao algodão, do carvão à energia elétrica, dos cigarros à indústria cultural. Huberman destaca, ao final do capítulo, que a ambição desmedida dos monopólios, dentro e fora dos países, quando inserida na luta por mercados externos (o imperialismo), engendra guerras e destruição. A vontade de dominar é tamanha que os industriais “anexariam os planetas, se pudessem”.
Capítulo XX: O elo mais fraco
No presente capítulo, o escopo do autor é discutir sobre as crises do capitalismo e seus motivos, além de outros conceitos importantes para a compreensão da economia capitalista, como a tendência decrescente do lucro. Huberman dá início à discursão diferenciando as crises ocorridas no início da era capitalista, provocadas por eventos extraordinários como guerras e tempestades, que afetavam a produção gerando escassez e aumento de preços, daquelas ocorridas em virtude da superprodução e queda de preços, mais recentes na história econômica. O problema é que a motivação central para a produção capitalista não é o uso, mas sim a troca – com lucros. Nesta questão concordam pensadores das mais diversas posições ideológicas, de Engels a Hayek. Há, portanto, consenso quanto ao que move o sistema, mas não quanto ao que o faz parar. A tentativa de responder quais seriam as causas das crises capitalistas suscitam discordâncias entre os economistas. Para alguns deles, os motivos das crises devem ser procurados fora do sistema econômico – nas manchas solares, nos fatores psicológicos (otimistas ou pessimistas) que influenciam nas mentes dos investidores, ou mesmo nas revoluções e tarifas comerciais mal elaboradas. Os fatores são inúmeros, variando de teoria para teoria. Em uma delas, encabeçada por Keynes, a raiz dos problemas seria a “instabilidade do padrão de valor”, isto é, a elasticidade imprevisível com que se comporta o valor do dinheiro, instrumento preponderante nos sistemas de trocas materiais do nosso modo de produzir. Para a escola keynesiana, a solução seria impor, através da regulamentação, um sistema monetário estável – um padrão de moeda em nível internacional.
Huberman cita também a teoria de subconsumo ou superpoupança de Hobson, que considera a concentração excessiva de renda nos períodos de prosperidade como causa dos períodos de depressão. Neste sentido, haveria um lucro não distribuído, em virtude dos salários baixos, o que provocaria crise porque a massa consumidora não mais teria como absorver a produção. Hayek, todavia, enxerga na solução proposta por Hobson, exatamente a causa do problema, advogando maiores investimentos nas companhias e menores gastos governamentais em questões sociais, que reduziriam a eficiência do mercado. Ora, Huberman disserta que ambos – Hobson e Hayek, acertaram em alguns pontos e erraram em outros. Não foi possível não errar porque as duas análises contemplam as contradições naturais do sistema capitalista, para as quais Marx não via saída. Para explicar esta visão marxista, o autor do livro insere aqui a análise que Marx faz do capital, fracionando-o em capital constante (fixo – aplicado em fábricas, maquinário, etc.) e variável (que efetivamente produz lucro, responsável por formar a mais-valia, consumindo força de trabalho). Para o autor do Manifesto, existe uma tendência de que o capital constante cresça – pela aquisição de maquinário, por exemplo, e o capital variável diminua – pois este maquinário substituirá a força de trabalho comprada do proletariado. Como é justamente o capital variável que efetivamente produz lucro, existiria, portanto, a tendência decrescente do lucro. Para mantê-lo crescendo, seria preciso acumular somas cada vez maiores de capital fixo. Assim, relacionando a análise marxista com os pontos de vista de Hayek e Hobson, sobre a relação entre salário, produção e lucro, haveria uma contradição inerente ao sistema e bastante pungente: é necessário, ao capitalista, manter seus lucros altos sem aumentar os salários, contudo, baixos salários impossibilitariam o consumo das mercadorias produzidas. Tal problema é apresentado como de difícil – impossível, diriam os marxistas, conciliação. Enquanto alguns procuram solucionar as crises do sistema capitalista de produção emendando-o, a Rússia buscará a saída por outro caminho: saindo deste sistema.
Capítulo XXI: A Rússia tem um plano
Dando seguimento ao exposto no último capítulo, Huberman buscará, aqui, comentar sobre a saída encontrada pela Rússia para as contradições do capitalismo: a revolução proletária e a troca de sistema produtivo. Para Lênin, líder dos bolcheviques, a revolução é uma arte, exigindo habilidade na condução da classe proletária, que a promoverá, além da consciência de que será um processo realmente problemático de saída brusca de um modo de viver para outro. Nesta troca, após a revolução, iniciou-se o projeto de transição do individualismo capitalista – que tinha como intuito o bem pessoal (lucro), para o coletivismo socialista, que visa ao bem comum. Coletivizados foram os meios de produção: fábricas, parques, teatros, bancos, ferrovias, tudo. Tais meios de produção passaram então a ser controlados pelo governo central, representante da massa proletária e ferramenta para a construção do futuro comunista. Este processo representa o que Marx denominou fim da luta de classes. Todos se reduzem a uma única classe: a trabalhadora. Nesta seara, é preciso compreender como a gestão central administrou os recursos e a economia russa: o que, em qual quantidade e para quem produzir? A gestão da economia planificada da Rússia (Huberman frisa aqui que um plano envolve a delineação de um objetivo e de um método para alcançá-lo) envolveu a coleta de dados da Gosplan (agência estatal de estudos estatísticos) para verificar como as coisas estavam organizadas no atual país, fornecendo a base para alcançar o objetivo geral da nação – o bem comum. Servindo-se dos dados coletados pela Gosplan, a Comissão de Planejamento Estatal elabora um plano, que é repassado às instâncias inferiores até se tornar de conhecimento de todo o povo, que poderá opinar sobre, acrescentar ou retirar pontos do projeto. Eis o modelo de democracia à russa: todos debatem sobre tudo, até chegar a um consenso razoável.
Em busca do chamado bem comum, os revolucionários concordaram em alocar recursos na educação universal e em hospitais, maternidades e outras instituições médico-sanitárias que pudessem elevar o padrão de vida da população. Quanto aos investimentos, havia dúvida se seria preferível, ao menos em um primeiro instante, alocar esforços para desenvolver a fabricação de bens de consumo para o povo ou para a indústria de base. Devido à necessidade de defender-se da contrarrevolução capitalista, os planejadores bolcheviques aceitaram, temporariamente, voltar-se para a produção da indústria pesada – aço, energia, armas. Era preciso, na visão de Lênin, dar um passo para trás para poder dar dois para frente. Investiu-se então na base produtiva: estradas e aço para fábricas que mais tarde seriam usadas para auxiliar na produção de bens de consumo que efetivamente aumentariam o bem estar da coletividade. Este sacrifício inicial só foi necessário porque a Rússia era essencialmente agrária quando passou pela revolução, não possuindo base para sustentar já de início a produção de suprimentos de uso direto do povo. A industrialização russa, diferentemente da de outros países latino-americanos ou mesmo europeus, envolveu não o uso de capital excedente das potências imperialistas, mas antes o capital captado pela própria comunidade – o lucro coletivo. O comércio externo foi uma outra forma de conseguir industrializar-se, trocando produtos primários por bens já produzidos, como máquinas e ferramentas. Neste sentido, forjou-se um monopólio estatal do comércio exterior, o que foi especialmente complexo, porque, se a Rússia conseguiu planificar sua economia, já não seria possível interferir na economia daquele com quem ela comercializa. Isto ficou bastante evidente com a crise de 1929, os preços dos produtos primários com os quais eram pagas as compras de produtos industrializados caíram muito mais que seus correspondentes na balança comercial, gerando déficit econômico para a administração russa.
Outro problema bastante complicado na gestão planificada é a direção e coordenação das engrenagens. Um defeito em um setor específico gerará efeitos encadeados em vários outros. Já quanto à questão da motivação para produzir, isto é, à alegação capitalista de que sem lucro ninguém trabalharia, foi derrubada na prática pelos soviéticos: as pessoas trabalhavam pelo interesse do todo, com uma produtividade espantosa, a solidariedade se sobrepõe ao egoísmo capitalista. Não obstante, contra a alegação de economistas que se opuseram à planificação econômica, os russos respondem que, diferentemente do que pensam estes intelectuais burgueses, o sistema de livre mercado não ajusta o preço à oferta e demanda, produzindo antes valores artificiais, de acordo com a vontade de uma minoria. Assim, na verdade, a economia planificada tentaria regular os preços, fazendo-os corresponder aos índices de escassez dos produtos, através da consulta popular, para saber o que falta e o que sobra na produção, adequando-a às necessidades do coletivo. De fato, a URSS perdeu boa parcela de liberdade – civil e econômica, mas esta foi a saída encontrada para um sistema que cria duas realidades bastante desiguais: a da minoria burguesa e a da massa proletária, sendo esta explorada por aquela.
Capítulo XXII: Desistirão eles do açúcar?
Neste último capítulo, Huberman discorrerá sobre o paradoxo do capitalismo: pobreza em meio à abundância. Após a grande crise do sistema de produção capitalista, em 1929, a ordem era planejar, evitando outros crashes. A questão é: como realizar um planejamento efetivo se, diferentemente da URSS, as economias de mercado se pautam na produção para a venda e lucro, de produtor para o produtor, sem que haja preocupação com o bem estar do demandante? Resolveu-se por eliminar a abundância – destruir o excedente de produção para elevar novamente os preços. O excesso de oferta provocado pela lógica do Laissez-faire originou a crise, devendo ser controlado, através da intervenção governamental, para que se mantivesse sempre próximo da demanda a fim de aumentar os preços, ou seja, realizava-se um planejamento para escassez. Dentro do New Deal, apesar da intervenção dos planejamentos estatais, não havia uma unidade entre tais planos (planejamento central), ao contrário do que aconteceu na Rússia, porque a propriedade privada não fora abolida. Onde há propriedade privada, o interesse por esta se sobrepõe ao bem estar nacional. Huberman destaca ainda, neste sentido, que o nazismo e o fascismo podem ser vistos como movimentos contrarrevolucionários, financiados por capitalistas que, na iminência da crise, utilizaram-nos como arma para impedir o advento do socialismo na massa pobre, destruindo sindicatos e combatendo partidos de esquerda. Estes movimentos totalitários, ainda que não tenham sido deliberadamente pensados para tanto, acabaram protegendo a propriedade privada o privilégio dos grandes burgueses de lucrar sem serem molestados. O autor encerra seu livro advertindo que, embora tenha trazido vantagens, ao implantar um planejamento central e dirimido a nociva liberdade do individualismo desmedido, o movimento nazifascista, que em linhas gerais continua compactuando da busca capitalista pelo lucro, conduzirá inevitavelmente à guerra imperialista, buscando expandir seus mercados consumidores e angariar mais fontes de matérias primas. O nazifascismo, por continuar seguindo a lógica da propriedade privada sem conseguir contornar as contradições do capital, só poderá nos levar a mais destruição. ( Victor Ribeiro da Costa )

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