sábado, 23 de julho de 2016

O Vermelho e o Negro- Stendhal


Filho de um humilde carpinteiro, Julien Sorel sonha com uma vida intensa e gloriosa. Sua desmedida ambição o leva a conviver com a burguesia provinciana e com a aristocracia parisiense. Ainda assim, Julien continua a ser um pobre no mundo dos ricos. A partir desses elementos, Stendhal criou um magistral romance psicológico, considerado o mais significativo da literatura francesa do século XIX.
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 Perdido no interior da França, o filho de um comerciante de madeira nutre sonhos de grandeza heroica, sem se dar conta de que ficaram para trás os tempos em que um jovem tenente de artilharia podia tornar-se cabeça de um Império. Este livro é a narrativa desse desencontro histórico, em suas menores reverberações. No rescaldo da derrota de Napoleão, as carreiras são tortuosas e os amores são difíceis. Para chegar a Paris, Julien Sorel passará por um seminário de província, aceitará um posto subalterno junto a uma grande família e será amante de duas mulheres únicas e díspares. 
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A Ambição e seus Limites
O enredo do livro desenrola-se em um contexto histórico específico: a restauração na França, isto é o período logo após a derrota de Napoleão que abarca os anos de 1814 até 1830. Trata-se de um período de ressurgimento do conservadorismo baseado na implantação de uma monarquia constitucional (rei Luis XVIII) e na retomada da influência da igreja católica.
A obra acompanha o percurso atribulado do personagem Julien Sorel. Apesar de nascido em condições sociais adversas - filho de família de origem camponesa e cujo pai é dono de uma serraria - alimenta o projeto de enriquecimento e ascensão social. Frente às escassas opções para alguém com sua origem em uma sociedade aristocrática e enrijecida, Julien opta pela carreira eclesiástica como atalho para alcançar seu fim.
O percurso de Julien ao tentar cumprir seu projeto de vida nos é descrito pelo autor em três fases. A primeira corresponde ao seu envolvimento com a família do sr. Rênal - prefeito da cidadezinha fictícia de Verrières, que o contrata para ser preceptor de seus filhos. A segunda transcorre no seminário de Besançon onde Julien ingressa a fim de preparar-se para seguir a carreira eclesiástica. A terceira transcorre em Paris para onde segue Julien a fim de trabalhar como secretário do Marquês de La Mole.
Embora inteligente e dedicado a incorporar o padrão de comportamento e etiquetas aristocráticos, Julien, em cada uma dessas três diferentes etapas, depara-se reiteradamente com o obstáculo de sua origem social ao tentar levar adiante seu projeto de ascensão. Ressentido por perceber a chance escassa de vir a ser aceito como um igual no seio da aristocracia e enredado em romances atribulados com mulheres situadas em um patamar social superior ao seu o enredo evolui para um desfecho muito diverso do pretendido pelo nosso personagem.
Stendhal, além de demonstrar a força da sociedade aristocrática em limitar o potencial e as qualidades de Julien - jovem, ambicioso e inteligente - nos oferece um retrato rico e envolvente de um período de transição histórica onde uma aristocracia ainda dominante emprega seus esforços em preservar seus privilégios e refrear a ascensão de uma burguesia emergente. Leitura mais do que recomendável!!!   ( Mario Tompes )
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Identidade em Crise: uma resenha crítica de O Vermelho e o Negro
 Em O Vermelho e o Negro, a princípio, Stendhal nos remete ao habitual ambiente bucólico consagrado pelo movimento romântico do século XIX. Julien Sorel, seu personagem, se mostra, à priori, como um um ente frágil e disperso; um verdadeiro sujeito fragmentado em seu ainda não totalmente desenvolvido processo de individuação; aquele através do qual concretiza-se identidade própria através do devir, da superação das contradições enfrentadas bem como das experiências vividas, no incorrer da maturidade.A perspicácia de Stendhal sugere-nos, em nítido e expresso conteúdo filosófico permeado em sua obra, não o retrato móvel - e quiçá espalhafatoso - de uma crise identitária mas sim, mais precisamente, faz-nos apreender em seus diversos momentos, as idas e vindas não só de uma consciência moralmente instável mas, de uma verdadeira identidade em crise. Tal fato teria seu subsídio no truculento ambiente familiar de Julien Sorel. Este, vítima de abusos físicos e psicológicos por parte de seu pai e irmãos, lhe é imposta à livre definição de sua individualidade, uma conflituosa flutuação entre a reprovação de seu comportamento e a violência à ele dirigida por sua aparente “natureza frágil”; destacadamente, frente à primazia de sua inteligência, uma franca dissonância para com os árduos trabalhos braçais da madeireira de seu pai, o velho Sorel. Esta identidade em crise, absolutamente inseparável da trama principal, coloca à este jovem rapaz, intencionalmente deslocante, sempre imerso em uma noção de movimento, momentos que caracterizam rupturas; deixar sua família, o distanciamento para com o ideal de Napoleão, incursões e dispersões apaixonadas em relação à mulheres, constantes viagens e um incerto câmbio dos meios pelos quais atingirá seus sonhos e Desejos. Este quadro de rupturas fornecerá, esta matéria prima a qual, ao desenrolar de seus momentos culminantes, em desfechos que acompanham ao passo que desafiam o gênero romântico, agem quase como degraus que o elevam a garantir-se personalidade e se tornar um Ser que na medida em que progride torna-se cada vez mais complexo e autêntico.Este atualizar constante da personalidade e das vontades de Sorel torna toda a história proposta numa inebriante mistura de drama e tragédia; uma progressão rumo à edificação de uma autêntica e marcante personalidade, verdadeira oscilação que entre o Vermelho e o Negro, sobressai-se um Sorel cada vez mais certo de si.Stendhal não economiza adentrar aos rincões mais obscuros da consciência humana; ganância, joguetes de poder, orgulho, vaidade, prepotência, hipocrisia. Todo entre aprofundamento psicológico meio às podridões moralmente reprováveis da alma humana é marca de um estilo crítico, livre e necessário para com a naturalidade de sua proposta, através de uma sutil, quase gramatical ironia, estes conflitos constituem nada mais do que a própria realidade destituída de grandes alardes. O ser humano emerge aqui, destacadamente em Julien Sorel, como essencial e moralmente relativista, composto de uma intrincada síntese de diversos predicados os quais conferem à obra como um todo, uma verdadeira representação universal.
Neste sentido, a artificialidade própria dos salões franceses ou mesmo o evidente jogo de interesses subordinados da aristocracia provinciana em seus âmbitos propriamente ditos são determinantes; são como verdadeiras exteriorizações desta complexa e contraditória amálgama que o consciente romântico de Stendhal propõe à nossa observação.Stendhal, como dito, parte de um cenário comum pertencente à uma literatura já há muito explorada e difundida. No entanto, ilustra sua destreza ao integrar, à plenitude de um descritivismo equilibrado, um cativante novíssimo frescor ao roteiro do que seria uma narrativa já esperada. Stendhal adiciona à fórmula romântica um crescendo exponencial de profundidade, bom senso, complexidade e de um imersivo sentimento em constante catarse, o qual perpassa-nos a saga do jovem Sorel. Este, longe de se enquadrar em moldes de herói romântico, quebra totalmente com as preconizações de estilo e gênero ao ser posto como um ente falho, vítima de uma consciência que oscila entre uma despretensa leveza e o martírio sobre a retenção de suas angústias frentes à impulsividade e o imperativo absolutamente incontingente de seus interesses ideais e carnais.
Sorel longe de quitar-se completamente à uma ‘’futilidade do mundo” e imergir em uma angústia existencial própria, incorpora em si mesmo as mais superficiais vaidades e, assim, denota-se marcante em sua personalidade, a despeito de suas incumbências religiosas, uma cumplicidade para com as paixões mais terrenas, as quais afirmam em si, um caráter egocêntrico, passional e claro, profundamente hedonista. Seu percurso, ao transcorrer da obra, longe de ser maçante e retilíneo é inundado por atentas percepções e articuladas estratégias. Em interessantíssimas digressões de pensamento tomadas das atentas observações de Sorel ou mesmo na figura de um suposto filósofo, estabelecem-se francas interlocuções as quais é confuso afirmar se é Sorel ou o próprio Stendhal que que nos conecta à uma ponte direta entre o desenvolvimento da trama e a necessária detenção de seus momentos específicos, para com o leitor, em uma reflexão quase como conjunta.
Define-se, então, uma marca de estilo autêntica que pela simplicidade empregada em todo seu vocabulário, em sua divisão piedosa de capítulos, e ausência de escrúpulos quanto ao ordinário, qualifica esta obra como uma leitura densa e profunda ao passo que fluida e apreensiva.
Toda a proposta literária elaborada por Stendhal estabelece-se em alicerces que constituem um aprofundamento gradualmente intenso da trama psicológica que se prescreve. Um aglomerado denso, cativante e emocionalmente carregado se traduz não só durante toda a trama mas, destacadamente, ao seu final, num sentimento de profundo êxtase, identificação e eterna separação para com Julien Sorel. Neste ponto, este crítico em específico, acredita em uma interessante aproximação não só da exploração do âmbito moral e imoral em questões práticas bem como toda a edificação constitutiva de Julien Sorel como uma curiosa ressonância entre este mesmo e Willhelm Meister, do romance de formação Os Anos de Aprendizagem de Willhelhm Meister, de Goethe.
Destacando assim, em suas devidas proporções, a profundidade desta obra prima de Stendhal, não obstante, ter-se qualificado como uma das Imortais da Literatura Universal justamente, frente á universalidade e destreza com as quais Stendhal pinta, com científicas dissecações e matizes estudadas, a natureza do ser humano.   ( J.Jardin )
O Vermelho e o Negro é a história de Julien Sorel, o ambicioso filho de um carpinteiro, na aldeia fictícia de Verrières, no Franco-Condado.
O romance é composto por duas partes: a primeira transcorre na província como tutor dos filhos dos Rênal e depois no seminário em Besançon, a segunda em Paris como secretário do marquês de La Mole.
Primeira parte
O primeiro livro apresenta Julien Sorel, que preferia gastar seu tempo lendo ou sonhando com a glória do exército de Napoleão a trabalhar como carpinteiro no quintal do pai ao lado de seus irmãos. Julien Sorel acaba se tornando um acólito do cura Chélan, que mais tarde lhe assegura um lugar de tutor para os filhos do prefeito de Verrières, Sr. de Rênal.
Sorel, que parece ser um clérigo piedoso e austero, na realidade tem pouco interesse na Bíblia, além de seu valor literário e a forma como ele pode usar passagens memorizadas para impressionar as pessoas importantes (passagens que ele, aliás, aprendeu em latim).
Após a sua chegada a casa dos Rênal, Julien Sorel apaixona-se pela Sra. de Rênal (mulher tímida e ingênua). A Sra. de Rênal era bondosa com este, e, pouco a pouco, sem se aperceber, apaixona-se por Julien, envolvendo-se com ele. A relação de adultério entre estas duas personagens será revelada, mais tarde, pela camareira da Sra. de Rênal, Elisa. Esta pretendia casar com Julien Sorel, que negou o seu amor. Então, para se vingar, Elisa contou a toda a cidade que a sua patroa e o empregado eram amantes (perante isto os habitantes reconheceram que Julien era um homem moderno). Depois desta revelação à cidade, chegou a vez do Sr. de Rênal receber em sua casa uma carta anônima, acusando sua mulher e Julien de serem amantes. As ordens do cura Chélan é que Sorel vá para um seminário em Besançon. Apesar de seu ceticismo inicial, o diretor do seminário, o abade Pirard (um jansenista e, portanto, ainda mas odiado que os jesuítas na diocese), começa a gostar de Sorel e torna-se seu protetor. Quando o abade Pirard deixa o seminário desgostoso com as maquinações políticas da hierarquia da Igreja, salva Sorel da perseguição que iria sofrer na sua ausência, recomendando-o como secretário do Marquês de La Mole, um legitimista católico.
Segunda parte
O Livro II, que começa antes da Revolução de Julho, narra a vida de Sorel em Paris com a família do senhor de La Mole. Apesar de se movimentar na alta sociedade e de seus talentos intelectuais, a família e seus amigos menosprezam Sorel devido à sua origem plebeia. O ambicioso jovem está consciente do materialismo e hipocrisia da elite parisiense. O espírito contrarrevolucionário da época torna impossível mesmo para homens bem-nascidos, com intelecto e sensibilidade estética superiores, participar dos assuntos públicos na nação.
Sr. de La Mole, que gostava de Sorel, leva-o para uma reunião secreta e o envia em uma perigosa missão para a Inglaterra, onde ele retransmite a um destinatário não identificado uma carta política que ele aprendeu de cor. Sorel aprende a mensagem de forma mecânica, mas não consegue avaliar o seu significado. É na realidade parte de uma conspiração legitimista, e o destinatário é presumivelmente um aliado do duque d'Angoulême, então no exílio, em Inglaterra. Assim, arrisca sua vida para servir a essa facção a que mais se opõe. Ele se justifica, pensando apenas em ajudar o senhor de La Mole, um homem que ele respeita.
Mathilde de La Mole, filha do empregador de Sorel, ao longo dos meses anteriores, estava dividida entre o crescente interesse em Sorel por suas admiráveis qualidades pessoais e sua repugnância em se envolver com um homem de sua classe. Ela seduz e rejeita Sorel duas vezes, deixando-o muito feliz e orgulhoso por ter ultrapassado seus pretendentes aristocráticos. Durante a missão diplomática, o príncipe russo Korasoff lhe propõe um plano para conquistar Mathilde. Seguindo estas instruções a um custo emocional grande, ele finge desinteresse nela e provoca seu ciúme, utilizando uma coleção de 53 cartas prontas de amor que recebeu do príncipe para atrair a Sra. de Fervaques, uma viúva do círculo social da família.
Mathilde de la Mole volta para Sorel, e finalmente revela que está grávida. Antes do retorno de Sorel para Paris durante a missão, ela se tornou oficialmente noiva de um de seus muitos pretendentes, Sr. de Croisenois, um homem jovem amável, rico e que iria herdar um ducado.
O Sr. de La Mole fica lívido com a notícia da gravidez, mas começa a ceder em face da determinação de sua filha e sua afeição real por Sorel. Ele concede a Sorel uma propriedade que lhe traz uma renda e um título de nobreza, e um posto no exército. Ele parece pronto para abençoar um casamento entre os dois, mas sofre uma dramática mudança quando recebe uma carta, escrita pela Sra. de Rênal, a pedido de seu confessor, avisando que Sorel é nada mais que um alpinista social que ataca as mulheres vulneráveis.
Ao saber por Mathilde da decisão do Sr. de La Mole de nunca abençoar um casamento, Sorel corre para Verrières e atira em sua ex-amante durante a missa na igreja da cidade. Ela sobrevive, mas os capítulos finais do livro seguem o caminho de sua condenação e execução pelo crime.
Apesar dos incansáveis esforços para salvar a sua vida por Mathilde, Sra. de Rênal e os eclesiásticos dedicados a ele desde seus primeiros anos, Sorel é condenado à morte. Não há lugar na sociedade francesa contemporânea para um homem nascido sem nobreza e fortuna, e suas pontes foram queimadas.
Embora o amor de Mathilde permaneça o mesmo, suas visitas à prisão, com seu componente romântico exibicionista, aborrecem a Sorel.
Quando Sorel descobre que não matou Sra. de Rênal, seu amor por ela, que permaneceu no fundo da sua mente durante todo seu tempo em Paris, ressuscita. Ela vem visitá-lo regularmente em seus últimos dias, e morre de tristeza depois que ele é decapitado. Mademoiselle de La Mole reencena a história da rainha da França Margarida de Navarra do século XVI, visitando o corpo de seu amante morto, Boniface de La Mole, e beijando os lábios de sua cabeça decepada. Mathilde de La Mole leva a cabeça de Julien Sorel ao seu túmulo e transforma o seu local de enterro em um santuário decorado com esculturas italianas.
 Significado do título
O título original era simplesmente "Julien", mas depois Stendhal substituiu-o por Le Rouge et le Noir (O Vermelho e o Negro), que parece ser um título enigmático, sobre o qual Stendhal nunca deu uma explicação.
Existem por isso várias interpretações.
A mais comum é que o vermelho simboliza o exército e o negro o clero. Assim, durante todo o romance, o protagonista hesita entre o exército, e a sua paixão por Napoleão, e o clero, que lhe permitiu concluir os estudos e, por conseguinte, favoreceu a ascensão social. A ideia vem do jornalista Emile Fargues, justificando que "o vermelho significa que, no início, Julien, o herói do livro, tinha sido soldado; mas na época em que vivia, ele foi forçado a usar a batina". Mas alguns contrapõem que, em 1830, o uniforme do exército francês era azul, não vermelho. E além disso, o romance em si também nos dá traços: é a cor branca que Julien associa ao exército, pois se lembra de ter visto na sua infância "um certo cavaleiro do 6º, com uma longa capa branca."»
Outros fazem alusão à roleta, comparando o destino a um jogo de azar: pode cair no vermelho ou preto; alguns também acreditam nas cores da guilhotina, no vermelho da paixão e no negro da morte, à tensão entre Marte e Saturno .
Mas deve-se notar que Stendhal tende a dar aos seus romances títulos com nomes de cores, tais como O Vermelho e o Negro, A Rosa e o Verde, Lucien Leuwen (O Vermelho e o Branco).
O Vermelho e o Negro e a sua época
O caso Berthet
O caso Berthet (1827) representa a principal fonte de inspiração de Stendhal para o enredo do seu romance . Este caso foi do seu conhecimento dado que ocorreu em Brangues, pequena aldeia da sua região: o Isère. Julgado no Tribunal de Isère, estava relacionado com a execução de Antoine Berthet, filho de pequenos artesãos, que um padre assinalou muito cedo pela sua inteligência e que ajudou a entrar num seminário (católico). De saúde frágil, Berthet foi forçado a deixar o seminário e as suas condições de vida muito duras e encontrar um emprego. Tornou-se o preceptor dos filhos da família Michoud e, em seguida, muito rapidamente, o amante de Madame Michoud, a quem teve de deixar muito depressa. Após uma nova estadia num seminário mais famoso do que o anterior (o de Grenoble), Berthet encontra um novo lugar de preceptor numa família nobre desta vez, os Cordon, onde seduz a filha do patrão, que o descobre sem demora. Muito desgosto por não encontrar "posição" para a sua grande inteligência, Berthet decide vingar-se. Entra na igreja na sua aldeia quando o velho padre diz a missa, e dá um tiro de pistola na sua antiga amante, Madame Michoud. O seu julgamento ocorreu em dezembro de 1827, tendo sido executado em fevereiro de 1828 com vinte e cinco anos de idade .
 O caso Lafargue
O caso Lafargue ocorreu em 1829. Lafargue, um marceneiro, tinha alugado um par de pistolas e a seguir, apos disparar dois tiros de pistola na sua amante, Thérèse Loncan, decapitou-a enquanto ainda estava viva. Foi julgado pelo Tribunal dos Altos Pirenéus em março de 1829. Stendhal falou ele próprio deste caso em Promenades dans Rome (Passeios em Roma): «se agora se mata no povo, é por amor, como Otelo. Ver a admirável defesa do Sr. Lafargue, trabalhador marceneiro».
 Estudo social, político e histórico
O Vermelho e o Negro é também um romance histórico, pois Stendhal tenta desvendar os bastidores da Revolução de 1830, tendo como pano de fundo a estrutura social da França da época, as oposições entre Paris e a província, entre a nobreza e a burguesia, entre os jansenistas e os jesuítas.
Stendhal que, de facto, frequentava o Hotel de Castries, palácio de família de alta nobreza francesa e mais tarde sede de vários ministérios do governo de França, faz neste romance e, cinco anos mais tarde, em Vie de Henry Brulard (Vida de Henry Brulard), uma descrição exacta da época.
Um romance psicológico
Para Nietzsche, Stendhal é o último dos grandes psicólogos franceses. Stendhal, um dos mais belos "perigos" da minha vida - porque tudo o que perdurou em mim me foi dado em aventura e não por recomendação, - Stendhal tem méritos inestimáveis "a dupla visão psicológica,"um sentido do fato que recorda a proximidade dos maiores dos realistas ("ex ungue Napaleonem" "pela mandíbula (se reconhece) Napoleão"), enfim, e esta não é a menor das suas glórias, um sincero ateísmo que só raramente se encontra em França, para não dizer quase nunca (...) Talvez eu tenha mesmo inveja de Stendhal. Ele roubou-me a melhor expressão que o meu ateísmo pudesse ter encontrado: "a única desculpa de Deus é a de não existir."»[10] [11] Em "O Vermelho e o Negro", Julien Sorel é objecto de um estudo profundo. Ambição, amor, passado, tudo é analisado. O leitor segue com interesse crescente os meandros de seu pensamento, que condiciona as suas acções. Mathilde de la Mole e Madame de Rênal não são esquecidas. As suas respectivas paixões por Julien, iguais uma à outra, são colocadas em perspectiva. Todo o mundo é colocado a nu sob a pluma de Stendhal..

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Entre todos os romances produzidos na história da literatura mundial, O vermelho e o negro é o mais clássico, vasto, célebre, radical e brilhante. A saga romântica de Julien Sorel e suas "eternas e definitivas" amadas Sra. de Rênal e Mathilde de La Mole é um livro marco dentro da arte de escrever e do romance, além de retratar como ninguém as complexas relações sociais na França do período da Restauração napoleônica.

Inspirado em fatos reais (um escândalo entre famílias de destaque da burguesia francesa), O vermelho e o negro rompe com a tradição do romantismo, introduzindo o realismo no romance francês. Henri Beyle, dito Stendhal, nasceu em Grenoble, na França, em 1783 e morreu em Paris em 1842. Brilhante, culto, foi figura de destaque no mundo intelectual de sua época. Lutou na Itália e permaneceu no exército até 1802. Sua experiência italiana rendeu-lhe muitas obras, entre elas o famoso relato Promenade dans Rome. Escreveu vários ensaios sobre arte e uma História da pintura. Como romancista, suas obras mais importantes são este O vermelho e o negro e A cartuxa de Parm.

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