Triste Fim de
Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, narra a trajetória de Policarpo Quaresma,
um patriota ímpar, que causa estranheza nas pessoas pelos seus ideais e
coragem. O livro é dividido em três partes. A primeira começa descrevendo a
rotina do Major Policarpo Quaresma. Major que não era major realmente; era um
apelido.
Policarpo era um
homem respeitado pela vizinhança, mas ao mesmo tempo o estranhavam, por causa
de seu amor pelos livros e pelo patriotismo exaltado. Começou a aprender
violão, o que causou mais espanto em seus vizinhos. Seu professor de música se
chamava Ricardo Coração dos Outros; seu amigo que irá lhe acompanhar até o fim.
Além de aprender violão, também se dedicava aos estudos do tupi-guarani. Nem
seus vizinhos, nem seus colegas de trabalho o compreendiam. Policarpo buscava
coisas verdadeiramente brasileiras, desde comida, até a vestimenta. O auge de
seu amor pela pátria foi quando fez um ofício para o ministro, escrito em tupi,
defendendo que a língua oficial deveria ser então essa. Como consequência, foi
internado por seis meses em um hospício, recebendo a visita apenas de Olga com
seu pai.
Na segunda parte do
livro, seguindo o conselho de sua afilhada Olga, Policarpo compra um sítio e se
muda para lá com sua irmã. Chama o sítio de “O Sossego”. Retirado da cidade,
surge uma nova paixão em Policarpo: a de estudar botânica e aproveitar ao
máximo a terra brasileira, que segundo ele, era a melhor. Até que um dia o
Tenente Antonino Dutra, escrivão, foi até a casa de Policarpo lhe pedir ajuda
para a festa da Conceição. O major, contrário à política e das suas trocas de
favores, nega ajuda. A partir de então os políticos da área começam a fazer de
tudo para prejudicar o sítio; começam a cobrar taxas e impostos que não eram
cobrados anteriormente, pedem para que seja capinado todo ao redor do sítio.
Além disso, os lucros eram pequenos. Todos esses contratempos começaram a
desanimar a Policarpo, que pensou que uma reforma agrária poderia até ser uma
solução, mas que ainda era pequena diante de seus desejos de progresso para o
Brasil. Policarpo queria uma mudança no governo.
Na terceira parte,
Policarpo volta para a cidade assim que sabe que está ocorrendo uma revolta. O
major faz um memorial acerca de suas experiências com a agricultura e entrega
ao Marechal Floriano. Sem dar muita importância, Floriano convida Policarpo
para ingressar na revolta. Policarpo aceita e é listado como Major. Com a
revolta, o cotidiano do Rio muda e a guerra acaba fazendo parte do cotidiano
dos brasileiros. Ricardo, amigo de Policarpo, por ser considerado um patriota
rebelde, é convocado para fazer parte como voluntário recalcitrante.
Preocupado, Ricardo pede ajuda ao Major, que não pode fazer nada. Triste por
estar afastado de seu violão, Ricardo continua a servir. No decorrer da guerra,
Policarpo dá ordens, vai para troca de tiros e mata um homem. Muito arrependido
e não acreditando ter feito isso, escreve a sua irmã num sentimento de perdão e
culpa. Acabou se ferindo, levemente, mas precisava de cuidados e precisou se
afastar por um tempo. A revolta tem seu fim e Policarpo é levado para uma
prisão, sem um motivo que justifique. Quaresma se questiona por que sendo ele
tão patriota e tão apaixonado pelo país, teria aquele fim. Sabendo da notícia
da prisão, Ricardo tenta salvar o major a todo custo; procura o tenente
Albernaz, o coronel Bustamante, que, mesmo sendo amigos de Policarpo, para não
ficarem mal vistos, não fazem nada. Até que tem a ideia de procurar Olga, que
mesmo contra a vontade de seu marido, vai até a prisão tentar liberar seu
padrinho. Ao chegar lá e ouvir que seu padrinho é um traidor e bandido, Olga
reflete que é melhor deixa-lo morrer com seu orgulho, como um herói.
CONTEXTO
Sobre o autor
Afonso Henriques de
Lima Barreto nasceu em 1881 no Rio de Janeiro. Órfão de mãe, tem uma brilhante
trajetória na escola. Quando adulto, é jornalista, trabalha no Ministério da
Guerra e escritor. É internado num hospício. Falece no Rio de Janeiro em 1922.
Além de cinco romances publicados, publicou sátiras, contos, artigos e
crônicas.
Importância do livro
O Triste Fim de
Policarpo Quaresma, inicialmente, foi publicado no ano 1911 através de
folhetins no Jornal do Comércio. Só após cinco anos é que foi publicado em
forma de livro, custeado pelo próprio autor. Assim que publicado, foi aclamado
pela crítica, diferentemente de sua primeira obra, Recordações do escrivão
Isaías.
Período histórico
As histórias de Policarpo
se passam durante os primeiros anos da República; precisamente durante o
governo de Floriano Peixoto (1891 – 1894). Porém, a obra foi escrita e
publicada por Lima Barreto em 1911, vinte anos após esse contexto. Os fatos
histórico-sociais são bastante discutidos por Lima durante o enredo, já que o
personagem principal é um engajado e revolucionário.
ANÁLISE
O Triste Fim de
Policarpo Quaresma, romance narrado em terceira pessoa, possui um narrador que
não julga os fatos, deixando assim livre o leitor para assumir sua posição; ou
de defesa ou de contrariedade. O narrador passa por papel de leitor de sua
própria história, narrando e esperando os acontecimentos. Em discussões entre
os personagens, o narrador não se posiciona, nem mesmo julga as suas atitudes.
Assim, ao mesmo tempo que sentimos pena da ingenuidade de Policarpo Quaresma,
sentimos graça ao vermos tantos projetos e preocupações incomuns. É a mesma
visão que seus vizinhos possuem. Eles diziam que Policarpo não vivia a
realidade e que era em vão e estranho um homem que não cursou a faculdade ler
tantos livros. Policarpo não era compreendido e não se fazia compreender, pois
não buscava isso. Seu principal objetivo era repassar a cultura brasileira e
exaltar o que de melhor havia no Brasil. O texto faz uma intertextualidade com
Dom Quixote; o autor faz essa comparação tendo em vista que ambos não viviam a
realidade, viviam seus sonhos e objetivos, embora parecesse estranho para os
outros.
As três partes em que
são separadas o livro representam os três grandes sonhos do personagem. Na
primeira Policarpo começa a apreender violão. Ele busca nas modinhas
brasileiras o resgate da cultura. Na segunda, ele se muda para o sítio,
buscando assim retirar das terras brasileiras seu sustento e acreditando que com
tanta terra fértil, o melhor a ser feito era ser aproveitado. Já na terceira e
última parte, o Major busca através de sua participação na revolta transformar
o país. Acontece que desde o título do livro já está anunciado que o desfecho
não será feliz. O brasileiro Policarpo, que tanto acreditava em mudanças e
melhoras, que tanto valorizava o que de mais brasileiro havia, acaba sendo
acusado de traidor, e morre na prisão. Ele, antes de sua morte, chega a
conclusão que toda a sua vida, sua luta e todos seus sonhos foram em vão. A
pátria brasileira, pela qual ele tanto sonhou e lutou, não existia.
PERSONAGENS
Policarpo Quaresma:
Conhecido por Major, era subsecretário no Arsenal de Guerra. Era um patriota
apaixonado pelo Brasil. Pequeno e magro, era visto com muita curiosidade por
todos, já que era um estudioso, mas não era valorizado por não se envolver com
política. Vestindo sempre seu fraque preto, era muito respeitado por todos, até
que é tido como louco ao propor que a língua nacional fosse o tupi. Participa
como major na guerra, e acaba morto numa prisão.
Ricardo Coração dos
Outros: Tocava violão e cantava modinhas. É um artista admirado pela sociedade
e torna-se amigo de Quaresma, pelo amor pelo violão e pelo comum patriotismo.
Olga: afilhada de
Policarpo, está sempre fazendo visitas ao seu padrinho. Era muito parecida com
Policarpo em sentimentos revoltosos. Casou-se sem estar apaixonada, apenas para
obedecer a uma ordem social.
Ismênia: Vizinha do
Quaresma, estava noiva há cinco anos, até que quando o casamento é marcado, seu
noivo some. A jovem menina fica tão triste, que acaba adoecendo,
psicologicamente e fisicamente. Morre e é enterrada com um vestido de noiva,
como era seu desejo.
General Albernaz: Pai
de Ismênia e vizinho de Quaresma.
Adelaide: irmã mais
velha de Policarpo. Solteira, vivia com Policarpo e foi com ele para o sítio.
Coleoni: Pai de Olga.
Anastácio: Empregado
negro de Policarpo Quaresma. Companheiro na solidão com seu patrão, foi com ele
para o sítio. Era seu servo fiel.
Bustamante: Tenente-Coronel e amigo do General Albernaz. Participou da
revolta.
Triste Fim de
Policarpo Quaresma é um romance do pré-modernismo brasileiro e considerado por
alguns o principal representante desse movimento.
Escrito por Lima
Barreto, foi levado a público pela primeira vez em folhetins, publicados, entre
Agosto e Outubro de 1911, na edição da tarde do Jornal do Commercio do Rio de
Janeiro. Em 1915, também no Rio de Janeiro, a obra foi pela primeira vez
impressa em livro, em edição do autor.
Crítica
A ironia do livro
concentra-se, sobretudo, no modo como o narrador se posiciona diante dos
desatinos da personagem, a narração em terceira pessoa não comenta ou avalia o
comportamento da personagem: os fatos e consequência são narrados de modo a
deixar o leitor livre para julgar os conflitos.
Alfredo Bosi afirma
sobre a obra:
Triste Fim de
Policarpo Quaresma é um romance em terceira pessoa em que se nota maior esforço
de construção e acabamento formal. Lima Barreto nele conseguiu criar uma
personagem que não fosse mera projeção de amarguras pessoais como o amanuense
Isaís Caminha, nem um tipo pré-formado, nos moldes de figuras secundárias que
pululam em todas as suas obras. O Major Quaresma não se exaure na obsessão
nacionalismo, no fanatismo xenófobo; pessoa viva, as suas reações revelam o
entusiasmo do homem ingênuo, a distanciá-lo do conformismo em que se arrastam
os demais burocratas e militares reformados cujos bocejos amornecem os serões
do subúrbio.
Epígrafe
original em francês
legal tradução
"Le grand
inconvénient de la vie réelle et qui la rend insupportable à l'homme supérieur,
c'est que, si l'on y transporte les principes de l'idéal, les qualités
deviennent des défauts, si bien que fort souvent l'homme accompli y réussit
moins bien que celui qui a pour mobiles l'égoïsme ou la routine vulgaire." O grande inconveniente da vida real e o que a
torna insuportável ao homem superior é que, se se transferirem para ela os
princípios do ideal, as qualidades tornam-se defeitos, de modo que, muito
frequentemente, o homem completo tem bem menos sucesso na vida do que aquele
que se move pelo egoísmo ou pela rotina vulgar.
A epígrafe do romance
é retirada do 26º capítulo de Marco Aurélio ou o fim do mundo antigo
(Marc-Aurèle ou la fin du monde antique), último volume da obra As origens do
Cristianismo (Les origines du Christianisme) do escritor e pensador francês
Ernest Renan. Renan parece argumentar que os altos ideais, muito nobres, de
pouco valem no mundo real, governado por interesses e proveitos pessoais, o que
nos prepara para o fracasso final de Policarpo Quaresma.
Sinopse
Primeira parte
A primeira parte da
obra se desenrola na cidade do Rio de Janeiro, logo após a proclamação da
república brasileira.
Buscando saídas
políticas, econômicas e culturais para o Brasil, Policarpo passa grande parte
de seu tempo enfiado nos livros, pelo que é criticado por parte da vizinhança
que não consegue aceitar que alguém sem titulação acadêmica possa possuir
livros - uma crítica ao academicismo, muito presente na obra de Lima Barreto -
e que o critica ainda mais quando ele decide aprender a tocar um instrumento
mal visto pela burguesa sociedade carioca da época, o violão, por considerá-lo
um representante do espírito popular do país.
E é no aprendizado do
instrumento que conhece aquele que será seu grande amigo no correr do romance,
o seresteiro Ricardo Coração dos Outros, contratado para lhe ensinar. Porém,
cedo, Policarpo se desencanta pelo violão - e pelo folclore - e parte em busca
das tradições genuinamente nacionais: as indígenas.
Tal aprendizado leva
a alguns momentos cômicos - como quando Policarpo recebe a afilhada e o
compadre aos prantos - e à tragédia da loucura: após ter sugerido à assembleia
legislativa republicana a adoção do tupi como língua oficial - e ser motivo de
chacota de toda a imprensa e dos colegas de repartição -, Policarpo redige,
distraído, um documento oficial naquela língua e termina, após uma elipse
temporal, internado num manicômio.
Segunda parte
Na segunda parte, são
analisados os problemas enfrentados pela porção rural do país.
São e aposentado,
Policarpo vende sua casa e compra, por sugestão da afilhada Olga, um sítio na
fictícia cidade de Curuzu, denominado Sossego e onde ele passa a tentar provar
a decantada fertilidade do solo brasileiro.
Com a ajuda do
empregado Anastácio, Policarpo luta contra saúvas, ervas daninhas e outras
pragas na tentativa de incentivar a iniciativa agrícola em outras pessoas e
ajudar no crescimento econômico do Brasil e do mundo inteiro. Mas além disso,
Policarpo continuava a lutar contra a opinião pública e as autoridades.
A fertilidade do
solo, no entanto, não se comprova na prática, e sua plantação gerou
pouquíssimos lucros, por causa da peste negra e da chuva de areias. Para
piorar, Policarpo viu-se envolvido, involuntariamente, na luta política da
cidade, sendo atacado com multas e difamações por gregos e troianos, tudo por
causa de sua suspeita (para os locais) neutralidade.
Ao saber sobre a
Revolta da Armada, nosso protagonista "pede energia" em telegrama ao
Marechal Floriano e segue para o Rio de Janeiro para dar apoio ao regime e
sugerir reformas que mudassem a situação agrária.
Terceira parte
A última parte do
livro narra as andanças de Policarpo pela Capital Federal durante a revolta da
Armada e mostra sua desilusão final. Há aqui uma crítica feroz aos positivistas
que apoiavam a Primeira República.
Chegando ao Rio,
Policarpo é bem recebido por Floriano Peixoto, que, no entanto, dá pouca
atenção às suas propostas de reforma.
Decidido a lutar pela
República, Policarpo é então incorporado a um batalhão, o "Cruzeiro do
Sul", com o posto de major, embora não tivesse qualquer experiência
militar prévia.
Encarregado de um
pelotão de artilharia improvisado com voluntariados à força - como seu amigo
Ricardo Coração dos Outros -, Policarpo deveria rechaçar investidas dos
marinheiros às praias cariocas.
A revolta criava ao
mesmo tempo tensão - devido a prisões e violências arbitrárias - e
oportunidades de ascensão social e empregatícia a cupinchas e puxa-sacos. Policarpo,
enquanto isto, percebe que suas propostas não eram levadas a sério - é chamado,
de forma um tanto irônica, de visionário pelo indolente Marechal de Ferro
Floriano Peixoto - e desilude ainda mais quando, tendo entrado em combate,
acaba por matar um dos revoltosos.
Finda a revolta e
encarregado de cuidar de um grupo de prisioneiros, Policarpo chega à conclusão
de que a pátria, à qual ele sacrificara sua vida de estudos, era uma ilusão.
Seu destino é selado
quando, após presenciar a escolha arbitrária de prisioneiros a serem
executados, ele escreve uma carta a Floriano Peixoto denunciando a situação: o
maior patriota de todo o livro é injustamente preso, acusado de traição.
Ricardo Coração dos
Outros, inteirado da situação, procura todos os antigos amigos e conhecidos de
Policarpo para ajudá-lo, mas todos se recusam por medo ou ganância, com exceção
da afilhada, Olga, que, no entanto, parece incapaz de fazer qualquer coisa pelo
padrinho a quem admira tanto.
No final deste livro, Policarpo, devido às suas críticas, é preso e
condenado ao fuzilamento, por ordem do presidente Floriano Peixoto sob a
acusação de traição. ( wikipedia )
Triste fim de
Policarpo Quaresma apresenta uma visão agressiva e realista, dotado de veemente
crítica ao nacionalismo patético e ufanista, representado na figura do
protagonista Policarpo Quaresma. A obra é capaz de despertar em quem a lê
sentimentos de amor, ódio, euforismo, melancolia ou piedade, pois é uma fusão
entre o cômico e o trágico. É perceptível o caráter comportamental nacionalista
do protagonista, mas chega a ser trágico quando ele é condenado por um crime
que não cometeu – traição à pátria.
O protagonista é o
major Policarpo Quaresma, subsecretário no Arsenal de Guerra, que ama
incondicionalmente sua pátria – o Brasil. Esse amor à pátria (nacionalismo) faz
com que ele estude violão, um instrumento marginalizado no fim do século XIX, a
língua tupi-guarani, o folclore e os usos e costumes dos silvícolas. Desses
interesses ele se interessa tanto pelos estudos do tupi que manda à Câmara um
requerimento recomendando a língua indígena como idioma oficial do Brasil. Logo
mais, escreve em tupi um ofício que provoca grande confusão e por tudo isso é
considerado louco, assim, internado em um manicômio. Ao ser considerado melhor,
é solto e compra um sítio – “Sossego” – onde residirá com sua irmã Adelaide e o
criado Anastácio.
Com o tempo seus
ideais nacionalistas voltam e ele começa a plantar em suas terras, acreditando
estar na agricultura a chance do país ser a primeira nação do mundo, e enfrenta
ervas daninhas e formigas, do mesmo modo que as intrigas políticas.
Com a Revolta Armada,
Floriano Peixoto integra Quaresma como major ao batalhão Cruzeiro do Sul. Quase
no fim da revolta é designado a carcereiro dos presos políticos na ilha das
Enxadas. Em determinada noite, o Itamarati envia alguém para retirar vários
presos e fuzila-los. Esse fato deixou Quaresma revoltado, portanto escreve uma
violenta carta ao marechal Floriano Peixoto. Então é preso como traidor e
condenado à morte, sem julgamento. Apenas Ricardo Coração dos Outros tenta
salvar Policarpo, ficando ele à espera do destino.
Estrutura da obra
Dividido em três
partes, cada uma contendo cinco capítulos, organizados em ordem relativamente
cronológica.
• Foco narrativo. A
obra é narrada em terceira pessoa por um narrador onisciente e distante, capaz
de entrar na alma do protagonista para desvendar seus sentimentos e
pensamentos. Ser distante lhe permite uma análise psicológica precisa e
ausência de envolvimento pessoal. Mas, o narrador se envolve afetivamente pela
personagem, e simpatiza-se com ela e seus ideais.
• Ação. Vivida por
Policarpo Quaresma a ação é dinâmica e contínua. Os fatos acontecem de maneira
relativamente cronológica embasados nas atitudes do protagonista, findando em
sua condenação à morte por traição à pátria. A linearidade narrativa é quebrada
entre o início da loucura, a internação e a saída de Policarpo do manicômio,
quando depois de quatro meses o narrador
retoma esse momento para explicar os acontecimentos.
• Tempo. O tempo é
cronológico, apreende o período anterior e posterior à Revolta da Armada, em
1893. Precisamente entre 1891 e 1894 – primeiros anos da República e governo de
Floriano Peixoto. Essa informação é relevante para caracterizar Triste fim de
Policarpo Quaresma como um romance de época, pois elementos sociais, políticos
e históricos estão presentes.
• Espaço. O Rio de Janeiro é o espaço para toda a ação do romance. O
sítio “Sossego” fica num local denominado vila Curuzu, que constitui espaço
secundário da obra. ( Miriã Lira )
Publicado
inicialmente em folhetins do Jornal do Comércio entre agosto e outubro de 1911
e depois em livro em 1916, Triste Fim de Policarpo Quaresma, obra mais famosa
de Lima Barreto, condensa em si muitas das características que consagraram seu
autor como o melhor de seu tempo.
A obra focaliza fatos
históricos e políticos ocorridos durante a fase de instalação da república,
mais precisamente no governo de Floriano Peixoto (1891 - 1894). Seus ataques,
sempre escachados, derramam-se para todos os lados significativos da sociedade
que contempla, a Primeira República, ou seja, as primeiras décadas desse regime
aqui no Brasil.
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Assim, Lima Barreto
encaixa-se no Pré-Modernismo (1902-22), pois, respeita códigos literários
antigos (principalmente o Naturalismo, conforme anteriormente apontado), mas já
apresenta uma linguagem nova, mais arejada em relação ao momento anterior.
O romance narrado em
terceira pessoa, descreve a vida política do Brasil após a Proclamação da
República, caricaturizando o nacionalismo ingênuo, fanatizante e xenófobo do
Major Policarpo Quaresma, apavorado com a descaracterização da cultura e da
sociedade brasileira, modelada em valores europeus.
Divertido e colorido
no início, o livro se desdobra no sofrimento patético do major Quaresma,
incompreendido e martirizado, convertido numa espécie de Dom Quixote nacional,
otimista incurável, visionário, paladino da justiça, expressando na sua
ingenuidade a doçura e o calor humano do homem do povo.
O romance anuncia no
título o seu desfecho pouco alegre, apesar do enredo em que os efeitos cômicos
estão aliados ao entusiasmo ingênuo do personagem central e ao seu
inconformismo e obsessões. Quaresma é um tipo rico em manifestações inusitadas:
seus requerimentos pedindo o tupi-guarani como língua oficial, seu jeito de
receber chorando as visitas, suas pesquisas folclóricas; tudo procurando
despertar o riso no leitor que, no final, presencia sua morte solitária e
triste: “Com tal gente era melhor tê-lo deixado morrer só e heroicamente num
ilhéu qualquer, mas levando para o túmulo inteiramente intacto o seu orgulho, a
sua doçura, a sua personalidade moral, sem a mácula de um empenho, que
diminuísse a injustiça de sua morte, que de algum modo fizesse crer aos algozes
que eles tinham direito de matá-lo”.
Outro personagem que
merece especial atenção é Ricardo Coração dos Outros, o seresteiro do subúrbio,
que enriquece a narrativa em que se mostra a paixão pela cidade, os bairros
distantes, as serenatas e os violões compondo um cenário pitoresco do Rio de
Janeiro da época.
Estrutura da obra
A obra divide-se em
três partes.
Primeira parte -
Retrata o burocrata exemplar, patriota e nacionalista extremado, interessado
pelas coisas do Brasil: a música, o folclore e o tupi-guarani. Esta parte está
ligada à Cultura Brasileira, onde conhecemos a personagem e suas manias. Sabe
tudo sobre a geografia do nosso país. Sua casa é repleta de livros que se
refiram à nossa nação. O que come e bebe é tipicamente brasileiro. Até o seu
jardim só possui plantas nativas. Chega a estudar violão – instrumento de má
fama na época, pois era associado a malandros – com Ricardo Coração dos Outros,
já que descobre que a modinha, estilo tipicamente brasileiro, era tocada com
esse instrumento.
Duas são suas grandes
ações. A primeira está em estudar o folclore do Brasil para incrementar uma
festa de seu vizinho, General Albernaz com algum folguedo popular. Descobre então
o Tangolomango, brincadeira que consistia na dança com dez crianças, até que um
sujeito, com uma máscara, deveria pegar uma a uma sucessivamente. O problema é
que Quaresma empolgou-se tanto com a brincadeira que terminou passando mal, por
falta de ar, ou, como se dizia na época, acabou tendo um “tangolomango”. Por aí
já se tem uma idéia da ironia do autor.
O clímax da falta de
senso de ridículo do protagonista foi ter mandado à Câmara um requerimento,
pedindo para que a língua oficial do Brasil deixasse de ser o Português, idioma
emprestado e por isso incentivador de inúmeras
polêmicas entre nossos gramáticos (seu argumento, nesse aspecto, é o de
que não podemos dominar um idioma que não é nosso e que, portanto, não respeita
a nossa realidade. Idéias bastante interessantes, mas apenas isso, pois é
ridículo imaginar que uma língua seja mudada por decreto). No seu lugar propõe
o tupi.
Resultado: vira
motivo de chacota até na Imprensa. Seus colegas de trabalham aumentam as
constantes ironias que jogam sobre a ele. Um chega a dizer que Quaresma estava
errado ao querer impor aos outros uma língua que nem ele próprio, autor do
requerimento, dominava. Idéia inverídica, tanto que o protagonista, irado, não
percebe que escreve um ofício em tupi. Quando o documento chega aos superiores,
a conseqüência é nefasta: o protagonista é internado no hospício.
Segunda parte -
Mostra o Major Quaresma desiludido com as incompreensões o que o faz se retirar
para o campo onde se empenha na reforma da agricultura brasileira e no combate
às saúvas. Nesta parte, dedicada à Agricultura Brasileira, vemos Quaresma
refugiar-se num sítio que compra, em Curuzu, e tem por intenção provar que o
solo brasileiro é o mais fértil do mundo. Dedica-se, portanto, a estudar tudo o
que se refere a agricultura. Mais uma vez, distancia-se, em sua perfeição, da
realidade. Torna-se defeituoso.
Terceira parte -
Acentua-se a sátira política. Motivado pela Revolta da Armada, Quaresma apóia
Floriano Peixoto e, aos poucos, vai identificando os interesses pessoais que
movem as pessoas, desnudando o tiranete grotesco em que se convertera o
"Marechal de Ferro". Quaresma larga seus projetos agrícolas ao saber
que estava ocorrendo a Revolta da Armada, quando marinheiros se rebelaram
contra o presidente Floriano Peixoto. Na filosofia do protagonista, sua pátria
só seria grande quando a autoridade fosse respeitada. Em defesa desse ideal,
volta para a Capital, para alistar-se nas tropas de defesa do regime.
O interessante é
notar a alienação em que a população mergulha diante de um tema tão preocupante
como uma revolta. Recuperada do susto dos constantes tiroteios, parte da
população chega a ver tudo como um festival, havendo até quem colecionasse as
balas perdidas.
Enfim, a revolta é
sufocada. Quaresma é transferido para a Ilha das Cobras, onde trabalhará como
carcereiro. É então que presencia uma cena que lhe é chocante. Um juiz aparece
por lá e distribui (esse termo é o mais adequado mesmo) as condenações
aleatoriamente, sem julgamento ou qualquer outro tipo de análise. Indignado,
pois acreditava que sua pátria, para ser perfeita, tem de estar sustentada em
fortes ideais de justiça, escreve uma carta para o presidente, pedindo a
reparação de tal erro.
Infelizmente, o herói
não foi interpretado adequadamente, o que revela uma certa miopia dos
governantes. Por causa de tal pedido, é preso e condenado à morte, pois foi
visto como uma traição. Há nesse ponto uma ironia, pois justo o único
personagem que se preocupou com o seu país foi considerado traidor, enquanto outros,
que se aproveitaram no conflito para conseguir vantagens políticas, como
Armando Borges, Genelício e Bustamante, saíram-se vitoriosos.
No final, tal qual
Dom Quixote, Quaresma acorda, recobra a razão. Percebe que a pátria, por que
sempre lutara, era uma ilusão, nunca existira. Num momento pungente, tocante,
descobre que passara toda a sua vida numa inutilidade.
Em Triste Fim de
Policarpo Quaresma, na configuração dos elementos da narrativa, notamos a
presença predominante da ironia e as impertinências contidas na figura central
do romance, Quaresma, alegando que o tupi, por ser a língua nativa brasileira
proporcionaria melhor adaptação ao nosso aparelho fonador. Além disso, segundo
ele, os portugueses são os donos da língua e, para alterá-la teríamos de pedir
licença a eles.
O narrador é
solidário com sua personagem pois não deixa de criticar os que zombam de
Quaresma. No livro, encontramos ora um Quaresma, entusiasmado, apaixonado pelo
Brasil, ora um Quaresma desiludido, amargo, diante da ingratidão do país para
com seus bons objetivos. Nesse ponto, o que vemos é um personagem condenado à
solidão, já que seus ideais batem de frente com os interesses políticos e com o
capital estrangeiro.
Desse modo, temos o
personagem central vivendo três momentos na obra: valorizando as coisas da
terra – a história, a geografia, a literatura, o folclore; no sítio do sossego
a frustrada busca de uma solução para o problema agrário, o que faz o romance
se vestir de uma profunda atualidade; finalmente, o envolvimento na Revolta da
Armada, o que acaba lhe custando a vida.
Enredo
O funcionário público
Policarpo Quaresma, nacionalista e patriota extremado, é conhecido por todos
como major Quaresma, no Arsenal de Guerra, onde exerce a função de
subsecretário. Sem muitos amigos, vive isolado com sua irmã Dona Adelaide,
mantendo os mesmos hábitos há trinta anos. Seu fanatismo patriótico se reflete
nos autores nacionais de sua vasta biblioteca e no modo de ver o Brasil. Para
ele, tudo do país é superior, chegando até mesmo a "amputar alguns
quilômetros ao Nilo" apenas para destacar a grandiosidade do Amazonas. Por
isso, em casa ou na repartição, é sempre incompreendido.
Esse patriotismo
leva-o a valorizar o violão, instrumento marginalizado na época, visto como
sinônimo de malandragem. Atribuindo-lhe valores nacionais, decide aprender a
tocá-lo com o professor Ricardo Coração dos Outros. Em busca de modinhas do
folclore brasileiro, para a festa do general Albernaz, seu vizinho, lê tudo
sobre o assunto, descobrindo, com grande decepção, que um bom número de nossas
tradições e canções vinha do estrangeiro. Sem desanimar, decide estudar algo
tipicamente nacional: os costumes tupinambás. Alguns dias depois, o compadre,
Vicente Coleoni, e a afilhada, Dona Olga, são recebidos no melhor estilo
Tupinambá: com choros, berros e descabelamentos. Abandonando o violão, o major
volta-se para o maracá e a inúbia, instrumentos indígenas tipicamente
nacionais.
Ainda nessa esteira
nacionalista, propõe, em documento enviado ao Congresso Nacional, a
substituição do português pelo tupi-guarani, a verdadeira língua do Brasil. Por
isso, torna-se objeto de ridicularizarão, escárnio e ironia. Um ofício em tupi,
enviado ao Ministro da Guerra, por engano, levá-o à suspensão e como suas
manias sugerem um claro desvio comportamental, é aposentado por invalidez,
depois de passar alguns meses no hospício.
Após recuperar-se da
insanidade, Quaresma deixa a casa de saúde e compra o Sossego, um sítio no
interior do Rio de Janeiro; está decidido a trabalhar na terra. Com Adelaide e
o preto Anastácio, muda-se para o campo. A idéia de tirar da fértil terra
brasileira seu sustento e felicidade anima-o. Adquire vários instrumentos e
livros sobre agricultura e logo aprende a manejar a enxada. Orgulhoso da terra
brasileira que, de tão boa, dispensa adubos, recebe a visita de Ricardo Coração
dos Outros e da afilhada Olga, que não vê todo o progresso no campo, alardeado
pelo padrinho. Nota, sim, muita pobreza e desânimo naquela gente simples.
Depois de algum
tempo, o projeto agrícola de Quaresma cai por terra, derrotado por três
inimigos terríveis. Primeiro, o clientelismo hipócrita dos políticos. Como
Policarpo não quis compactuar com uma fraude da política local, passa a ser
multado indevidamente.O segundo, foi a deficiente estrutura agrária brasileira
que lhe impede de vender uma boa safra, sem tomar prejuízo. O terceiro, foi a
voracidade dos imbatíveis exércitos de saúvas, que, ferozmente, devoravam sua
lavoura e reservas de milho e feijão. Desanimado, estende sua dor à pobre
população rural, lamentando o abandono de terras improdutivas e a falta de
solidariedade do governo, protetor dos grandes latifundiários do café. Para
ele, era necessária uma nova administração.
A Revolta da Armada -
insurreição dos marinheiros da esquadra contra o continuísmo florianista - faz
com que Quaresma abandone a batalha campestre e, como bom patriota, siga para o
Rio de Janeiro. Alistando-se na frente de combate em defesa do Marechal
Floriano, torna-se comandante de um destacamento, onde estuda artilharia,
balística, mecânica.
Durante a visita de
Floriano Peixoto ao quartel, que já o conhecia do arsenal, Policarpo fica
sabendo que o marechal havia lido seu "projeto agrícola" para a
nação. Diante do entusiasmo e observações oníricas do comandante, o Presidente
simplesmente responde: "Você Quaresma é um visionário".
Após quatro meses de
revolta, a Armada ainda resiste bravamente. Diante da indiferença de Floriano
para com seu "projeto", Quaresma questiona-se se vale a pena deixar o
sossego de casa e se arriscar, ou até morrer nas trincheiras por esse homem.
Mas continua lutando e acaba ferido. Enquanto isso, sozinha, a irmã Adelaide
pouco pode fazer pelo sítio do Sossego, que já demonstra sinais de completo
abandono. Em uma carta à Adelaide, descreve-lhe as batalhas e fala de seu
ferimento. Contudo, Quaresma se restabelece e, ao fim da revolta, que dura sete
meses, é designado carcereiro da Ilha das Enxadas, prisão dos marinheiros
insurgentes.
Uma madrugada é
visitado por um emissário do governo que, aleatoriamente, escolhe doze
prisioneiros que são levados pela escolta para fuzilamento. Indignado, escreve
a Floriano, denunciando esse tipo de atrocidade cometida pelo governo. Acaba
sendo preso como traidor e conduzido à Ilha das Cobras. Apesar de tanto empenho
e fidelidade, Quaresma é condenado à morte. Preocupado com sua situação,
Ricardo busca auxílio nas repartições e com amigos do próprio Quaresma, que
nada fazem, pois temem por seus empregos. Mesmo contrariando a vontade e
ambição do marido, sua afilhada, Olga, tenta ajudá-lo, buscando o apoio de
Floriano, mas nada consegue. A morte será o triste fim de Policarpo Quaresma. (passeiweb.com
)
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